Alguns livros erram por pouco — um tropeço de tom, uma metáfora a mais, um personagem mal resolvido que quase convence. Outros, porém, parecem feitos inteiramente de equívocos: do título à última linha, do estilo ao suposto conteúdo. E talvez o mais inquietante seja que eles não erram discretamente. Não. Erram em voz alta, com pompa, às vezes com vocabulário rebuscado e aquele ar presunçoso de quem se acredita muito mais importante do que de fato é. Erram como quem tem certeza. E isso, convenhamos, cansa.
É claro que a literatura comporta o erro. Ela vive dele, aliás. Mas há um tipo específico de livro — geralmente embalado por elogios apressados ou por capas mais bem resolvidas do que seus enredos — que não apenas falha: insiste em sua falha, repete-a com vaidade, e ainda exige do leitor uma reverência absurda. Como se, por ter sido publicado, já estivesse acima do bem e do mau gosto. O resultado é uma experiência de leitura que mais se assemelha a um castigo elegante: páginas e mais páginas de nada, camufladas sob a promessa de profundidade.
Não se trata, aqui, de perseguir autores. Nem de fingir que existe literatura imune à crítica. Mas há momentos em que o silêncio de um livro teria sido mais generoso do que sua publicação. Obras que nos fazem sentir que a árvore de onde veio o papel talvez merecesse destino mais digno. Há exagero nesta frase? Sim. Mas não mais do que nos próprios livros aos quais ela se refere.
Alguns títulos parecem ter sido escritos para impressionar resenhistas, outros para simular uma dor que nunca foi sentida de fato. E há os que apenas repetem fórmulas desgastadas, mas se apresentam como vanguarda. Entre o cansaço e o constrangimento, sobra ao leitor a tarefa de terminar o que, no fundo, jamais deveria ter começado. E, ao final, talvez reste apenas uma certeza melancólica: alguns livros deveriam pedir desculpas. Por existirem. Por persistirem. Por se levarem tão a sério enquanto falham com tamanha leveza.

Neste drama fragmentado com pretensões épicas, acompanhamos personagens que falam muito, sofrem mais ainda e raramente conseguem sair do lugar — emocional ou narrativamente. No centro da trama, uma mulher em fuga tenta escapar de um passado violento, enquanto o presente insiste em ser igualmente insuportável. A estrutura alterna vozes com tanta frequência que o leitor começa a desejar a chegada de um narrador com vontade de concluir um pensamento. O Brasil profundo é retratado com uma seriedade quase performática, como se cada parágrafo precisasse provar sua densidade a fórceps. A violência é onipresente, mas esvaziada de impacto; os traumas, ruidosos, mas previsíveis; e os personagens, tão tomados pelo tédio existencial, que se tornam quase alegorias do desalento editorial. Há trechos que insinuam profundidade, mas logo são sufocados por um lirismo seco que parece ter sido extraído a carvão. A sensação é de assistir a um incêndio lento que se recusa a iluminar qualquer coisa — nem o enredo, nem o leitor. Tudo é dito com uma solenidade que beira a autoparódia, e no fim, resta a pergunta: por que tanta devastação climática e humana para dizer tão pouco com tanto esforço?

É a história de um casal que sofre uma tragédia e nunca mais se recompõe — o que, até aí, seria promissor. Mas o que o livro entrega é uma novela disfarçada de literatura séria, embalada em prosa açucarada com pretensões líricas. A narrativa insiste em parecer profunda enquanto recicla dilemas emocionais batidos com vocabulário elevado, como se palavras bonitas bastassem para esconder o melodrama de segunda. A estrutura alterna vozes com a clara intenção de parecer complexa, mas tudo gira em torno de sentimentos rasos servidos com verniz de sofrimento poético. A personagem da prostituta, que deveria funcionar como catalisadora do conflito, é tratada como arquétipo de redenção e tragédia, num clichê que já nascia cansado nos anos 90. O leitor é arrastado por capítulos curtos e intensos que funcionam como pequenos surtos emocionais, até que tudo parece virar uma ladainha existencial de culpa, perda e choradeira. É um livro que se leva a sério demais, sem perceber que seu drama é mais fabricado do que vivido. No fim, tudo escorre — como o rio do título — mas o que fica é só água morna. Com sorte, evapora.

Nesta tentativa de romance policial com toques de comédia, Jô Soares apresenta um serial killer que só mata mulheres gordas — porque, aparentemente, o autor achou que isso era uma premissa espirituosa. Ambientada em uma versão estilizada da década de 1930, a narrativa acompanha um delegado de nome pitoresco e métodos questionáveis, que investiga os assassinatos enquanto a trama parece saudar a estética de programa humorístico dominical. A linguagem tropeça entre o pastiche de época e o deboche gratuito, misturando sátira histórica com referências forçadas que soam como piadas internas mal explicadas. Os personagens são caricaturas ambulantes: o vilão é teatral, o investigador é uma colagem de clichês e o humor, quando aparece, já passou do ponto. Em meio a descrições que tratam corpos femininos com ironia desnecessária e soluções narrativas que apelam para o absurdo como desculpa estilística, o livro parece mais interessado em divertir seu autor do que o leitor. O resultado é uma obra que tenta ser muitas coisas — noir tropical, farsa grotesca, sátira de costumes — e não acerta em nenhuma. Um desfile de exageros embalado por um enredo que avança aos tropeços, enquanto o leitor oscila entre a curiosidade mórbida e a vontade de fechar o livro antes da próxima piada forçada.

Uma escritora recém-premiada decide fazer o que muitos autores brasileiros sonham em segredo: sumir do mapa e se dissolver em alguma cidade com aura de tragédia estética. Ela escolhe Buenos Aires — porque claro, o exílio precisa ter cafés melancólicos, pichação existencialista e um ar constante de que algo profundo está para acontecer (mas nunca acontece). Lá, embarca numa sequência de decisões dignas de um curso intensivo de autoaniquilação, tudo embalado por uma prosa que parece pedir desculpas por estar viva. A maternidade aparece como redenção ou abismo, dependendo do parágrafo, e a narrativa se equilibra entre delírio autocentrado e poesia de manual alternativo. A protagonista, que poderia ter nome, mas não tem, parece estar menos interessada em viver algo do que em catalogar sintomas de si mesma. O romance se arrasta com a leveza de uma pedra lustrada por angústias repetidas, até que o leitor, já cúmplice involuntário do colapso emocional em câmera lenta, aceita que a única saída é a saída do livro. Um tratado involuntário sobre o que acontece quando o niilismo tenta ser profundo, mas tropeça na própria vaidade.

Aqui, Clarice escreve contra o tempo — e, aparentemente, também contra a coesão narrativa. Um homem sem nome conversa com uma mulher criada por ele — ou talvez por ela mesma — num jogo de espelhos em que a profundidade é sugerida, mas raramente alcançada. Fragmentado até a exaustão e sem qualquer compromisso com o que tradicionalmente se chama de enredo, o livro parece ter sido costurado a partir de anotações perdidas num caderno de yoga existencialista. A criatura (ou seria autora?) se apresenta em fluxos descontínuos de consciência, flutuando entre a revelação mística e o delírio estilizado. A linguagem, que por vezes brilha como um cristal mal lapidado, acaba por se enredar em suas próprias intenções poéticas, como se cada frase precisasse anunciar que é, sim, uma frase da Clarice. É literatura para ser lida de olhos semicerrados, não pela emoção, mas pelo esforço de encontrar algum centro gravitacional entre tantas epígrafes em forma de parágrafo. O livro não se propõe a contar nada — e cumpre com louvor. É possível que alguns chamem isso de coragem estética. Outros, de derrapagem metafísica em voz alta. Seja qual for a leitura, fica claro que aqui a narrativa não quer agradar: quer apenas existir. E talvez nem isso.