10 livros que todo mundo aplaude — mas ninguém sabe realmente do que se trata

10 livros que todo mundo aplaude — mas ninguém sabe realmente do que se trata

Em sua teoria sobre os diferentes tipos de capital — econômico, social e cultural —, o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) argumenta que a cultura de elite se caracteriza não apenas pelo consumo de certos bens, mas pelo modo como esses bens são percebidos e valorizados. Destarte, o prestígio de certas publicações é, muitas vezes, apenas um reflexo do desejo de pertencer a uma elite intelectual. Dizer gostar de um livro não é apenas uma opinião, mas uma forma de afetar requinte. Isso ajuda a explicar por que obras altamente complexas, às vezes impenetráveis, ganham fama e respeito mesmo quando sua efetiva leitura é limitada a uma minoria, privilegiada e zelosa. 

Os círculos acadêmicos sempre padeceram da falsa virtude louvar o que é hermético. Não raro, um livro pleno de citações, vaivéns de retórica e argumentos que fecham-se em si mesmos, expressos num vocabulário nebuloso, torna-se o ai-jesus de docentes e pesquisadores entufados, justamente por seu caráter excludente, de conferir-lhes uma aura de gênios. A universidade reforça a ideia de que determinados livros são inalcançáveis, o que por seu turno nutre a falácia de que leigos não devem meter-se a abrir suas páginas. Aos poucos, tal comportamento, que mais parece uma estratégia sórdida de perenizar a exclusão dos ignorantes, cristaliza-se como o modo de operar da academia, que sabe muito bem onde isso pode dar.

Na era digital, vivemos cercados de informações resumidas, resenhas instantâneas, paupérrimos fragmentos de conteúdo. Tamanha fartura de informação, rasa e muitas vezes improcedente, cria uma enganosa sensação de familiaridade com a obra original. É o que se chama de ilusão de conhecimento. Alguém é levado a acreditar que conhece um livro porque leu um resumo, viu um comentário ou decorou uma frase. A mera sensação de conhecimento é o bastante para sustentar conversas, mas não para evoluir. Poucos são aqueles que questionam e rejeitam abertamente a superficialidade fácil que emburrece e escraviza, e então cria-se um consenso artificial sobre essas obras. Todos aplaudem, mas raros sabem do que se trata e ainda menos entendem. E a culpa é dos “sábios”, encastelados em seus gabinetes. 

Constam dessa lista uma dezena de exemplos de livros consagrados pelo cânone, mas cuja intelecção, por uma verdadeira lástima, continua restrita a quem já apresenta intimidade com o saber formal, caso dos sete volumes de “Em Busca do Tempo Perdido” (1913), de Marcel Proust (1871-1922), reflexões sobre o tempo, o amor, a arte, a posição do homem na sociedade e diante de si mesmo. ”Em Busca do Tempo Perdido“ é, decerto, um dos livros que mais surgem nas conversas despretensiosas entre gente que lê, malgrado continue por ser de fato descoberto. E o descobrimento, como diz Proust, não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos. 

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.