Existe um tipo muito específico de leitura que não apenas exige paciência, ela a suga até a última gota, depois pede mais e ainda agradece com uma dedicatória em francês. São livros que circulam entre grupos literários como se fossem relíquias, mas que, ao serem abertos, revelam páginas que parecem desafiar nossa capacidade de manter os olhos abertos. Cada parágrafo é um convite à soneca; cada capítulo, uma jornada que exige mais força de vontade que subir uma escada rolante parada. E o mais curioso: quanto mais maçante a obra, mais alto soa o aplauso acadêmico. A crítica celebra, a editora relança, os prêmios chovem, e nós, leitores comuns, ficamos nos perguntando se perdemos alguma aula secreta sobre como fingir que isso tudo é genial.
A bajulação vem embalada em elogios que beiram o delírio: “prosa radicalmente disruptiva”, “narrativa que rompe os limites do silêncio”, “personagens que simbolizam a ausência do ser no vácuo do verbo”. Tradução livre? Ninguém entendeu nada, mas todo mundo achou bonito. E é justamente nessa névoa de reverência que certos livros se consagram. Não por tocarem nossos corações, mas por confundirem o bastante para não serem confrontados. O leitor fica exausto, mas constrangido demais para confessar: “eu odiei”. E, assim, a lenda cresce. Com o tempo, essas obras ganham ares de clássico, não pela experiência estética que proporcionam, mas por sobreviverem incólumes em meio a pilhas de elogios e silêncios cúmplices.
É claro que há quem de fato encontre beleza nesses textos, e está tudo bem. Mas aqui, o foco é outro: esta lista presta tributo às obras que se tornaram ‘clássicos’ mais por insistência e bajulação do que por merecimento afetivo. São livros que transformaram o tédio em arte e a incompreensão em prestígio. Obras que exigem do leitor não só interpretação, mas resistência física. E se você já fingiu gostar de algum deles para parecer mais inteligente em rodas de conversa, saiba que não está só. Vamos, então, mergulhar nessas páginas que o tempo não ousou apagar, talvez porque ninguém teve coragem de terminar a leitura.

Esta é a história de capitão Celestino, homem cujo passado de brutalidade e violência assombrosas é substituído, no crepúsculo da vida, por um amor delicado e cuidadoso pelas plantas de seu jardim. De volta a Portugal, e com a consciência pesada pelas monstruosidades que cometeu, o capitão retorna à casa de sua infância. Na vizinhança, as pessoas conhecem seus malfeitos, então poucos se atrevem a se aproximar. Somente o padre Alfredo é um visitante regular: quer levar o homem para se confessar, mas o único assunto que interessa a Celestino é mesmo o esplendor de seu roseiral.

Edgar Wilson é “um homem simples que executa tarefas”. Trabalha no órgão responsável por recolher animais mortos em estradas e levá-los para um depósito onde são triturados num grande moedor. Seu colega de profissão, Tomás, é um ex-padre excomungado pela Igreja Católica que distribui extrema unção aos moribundos vítimas de acidentes fatais que cruzam seu caminho. A rotina de Edgar Wilson, absurda em sua pacatez, é alterada quando ele se depara com o corpo de uma mulher enforcada dentro da mata. Quando descobre que a polícia não possui recursos para recolhê-lo, o rabecão está quebrado, o funcionário é incapaz de deixá-lo à mercê dos abutres e decide rebocar o cadáver clandestinamente até o depósito, onde o guarda num velho freezer, à espera de um policial que, quando chega, não pode resolver a situação.

Um homem muito velho está num leito de hospital. Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história de sua linhagem desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador da Primeira República, até o descendente, garotão do Rio de Janeiro atual. Uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos. A visão que o autor nos oferece da sociedade brasileira é extremamente pessimista: compadrios, preconceitos de classe e de raça, machismo, oportunismo, corrupção, destruição da natureza, delinquência.

Um garoto de dez anos sofre um tombo de bicicleta; um adolescente de quinze enfrenta o valentão da turma; um cirurgião plástico entediado planeja escalar o Cerro Bonete, na Bolívia. Esses três momentos, aparentemente desconexos, compõem a vida de Hermano, protagonista que transita entre passado e presente em busca de sentido. A narrativa alterna entre a infância em Porto Alegre e a vida adulta marcada por insatisfação e memórias persistentes. O apelido “mãos de cavalo”, recebido na juventude, simboliza a força física e a fragilidade emocional do personagem. Galera constrói uma trama introspectiva sobre identidade, culpa e a tentativa de reconciliação com o próprio passado. A escrita é marcada por uma prosa densa e sensível, que convida o leitor a mergulhar nas complexidades da existência humana. É uma obra que desafia convenções narrativas e oferece uma reflexão profunda sobre as cicatrizes que carregamos ao longo da vida.

Neste romance de estreia, o autor mergulha no universo de um narrador sem nome, perdido em uma metrópole caótica e envolto em relações fragmentadas com Carmem e Alberto. A narrativa é construída por capítulos numerados com números primos, refletindo a lógica dissonante da mente do protagonista. Carmem surge como figura multifacetada: mãe, amante, musa, símbolo de todas as mulheres que o narrador já conheceu. A prosa é marcada por uma abstração extrema, onde realidade e fantasia se entrelaçam, criando uma atmosfera onírica e perturbadora. O texto explora temas como identidade, solidão e a busca incessante por sentido em um mundo desprovido de certezas. É uma obra que desafia o leitor a confrontar suas próprias percepções e a questionar os limites entre o eu e o outro. Com estilo único, Cuenca oferece uma experiência literária intensa e provocadora.