Os 10 livros de ficção mais vendidos no The New York Times nos últimos dez anos (de maio de 2015 a maio de 2025)

Os 10 livros de ficção mais vendidos no The New York Times nos últimos dez anos (de maio de 2015 a maio de 2025)

Há algo desconcertante — embora talvez inevitável — em observar a interseção entre sucesso comercial e mérito literário. Ao revisitar os títulos de ficção que lideraram o ranking de mais vendidos do The New York Times entre maio de 2015 e maio de 2025, deparamos com uma constelação de obras que, embora imensamente populares, muitas vezes não resistem à lupa mais exigente da crítica literária. E tudo bem. Nem todo livro precisa ser um monumento de linguagem. Mas há, nesse tipo de lista, um incômodo sutil: a constatação de que os livros mais lidos, comentados, amados e adaptados ao cinema nem sempre são — ou quase nunca são — os mais desafiadores, inventivos ou esteticamente densos.

Os dados desta seleção foram extraídos diretamente da fonte: o ranking semanal de mais vendidos do “The New York Times”, uma das plataformas mais influentes (e mais antigas) de aferição de popularidade literária nos Estados Unidos. A métrica adotada aqui não foi apenas a presença na lista, mas a permanência no topo — as semanas seguidas em que uma obra ocupou os primeiros lugares da categoria “Fiction — Combined Print & E-Book”. É uma lista, portanto, de resistência comercial, não de relâmpagos críticos. E isso faz toda a diferença.

Olhar para esses dez títulos é como olhar para um espelho embaçado do gosto contemporâneo. Ele revela contornos — mas quase nunca profundidade. São livros que se moveram com velocidade pelas redes sociais, que geraram clubes de leitura fervorosos, que foram embalados por capas sedutoras e slogans magnéticos. Livros que, em muitos casos, parecem ter sido escritos já pensando na adaptação cinematográfica — ou, ao menos, com a estrutura de roteiro em mente. O ritmo é ágil, os capítulos são curtos, os ganchos são abundantes. Lê-se com facilidade. E termina-se rápido. Talvez até rápido demais.

Não se trata de desmerecer quem os leu com entusiasmo. O contrário seria arrogância literária. Muitas dessas histórias, é verdade, tocam em temas urgentes: abuso, solidão, trauma, identidade. E algumas são construídas com genuína habilidade narrativa. O problema não está no que esses livros são — mas no que deixaram de ser. Em sua maioria, oferecem respostas antes mesmo que a pergunta seja plenamente formulada. São obras que entregam mais alívio que abismo. Mais reconhecimento imediato do que estranhamento produtivo.

Tome-se como exemplo o fenômeno Colleen Hoover — presença constante e múltipla nos rankings ao longo dos anos. Suas histórias dialogam com experiências emocionais que atravessam milhares de leitores, especialmente mulheres jovens. E sim, isso importa. Importa muito. Mas a linguagem é sempre instrumental, funcional, obediente. Os conflitos são intensos, mas cuidadosamente protegidos do caos real. Há dor, há lágrimas, há superação — mas quase nunca há silêncio, hesitação, ambiguidade. E a literatura, por mais que se queira democrática, nasce muitas vezes justamente disso: da dúvida. Da falha. Do espaço entre uma palavra e outra.

Outros títulos, como “A Garota no Trem”, de Paula Hawkins, ou “Um Lugar Bem Longe Daqui”, de Delia Owens, alcançaram projeção internacional impressionante, com adaptações cinematográficas de alto orçamento e campanhas publicitárias robustas. Ambos têm tramas envolventes, com protagonistas femininas marcadas por algum tipo de exclusão — social, emocional, psicológica. A estrutura é eficiente, o suspense funciona, o final é catártico. Mas seria difícil defendê-los como grandes obras literárias. Eles não perturbam, não desafiam, não reorganizam a sensibilidade do leitor. São mais como espelhos — polidos, limpos, mas rasos. Não exigem mergulho, apenas reflexo.

Há também os thrillers institucionais, como “O Dia em que o Presidente Desapareceu”, coassinado por James Patterson e Bill Clinton. Aqui, a aliança entre o best-seller e o bastidor do poder político assume ares quase performáticos. É uma obra feita para entreter, com doses controladas de realismo, ação e tecnicidade. Cumpre bem seu papel, mas jamais arrisca dizer algo que desestabilize a ordem. A forma segue a função: divertir, simular, preencher tempo.

Talvez o mais interessante, ao fim, seja a constatação de que poucos destes livros resistiriam a uma leitura mais lenta. São filhos do imediatismo. Livros para serem devorados — e, muitas vezes, logo esquecidos. E essa característica, por mais que desaponte os puristas, é também uma pista poderosa sobre o tempo em que vivemos. Um tempo em que ler é, frequentemente, um ato de sobrevivência emocional, não de experimentação estética. Os leitores buscam consolo, reconhecimento, catarse. Poucos querem ser desafiados em pleno trem das seis ou no intervalo do almoço. E quem pode culpá-los?

Ainda assim, é possível — e necessário — que se mantenha uma distância crítica. O fato de um livro ser amado por milhões não o torna literariamente incontestável. O que torna a literatura valiosa, aliás, é justamente sua resistência à unanimidade. Os clássicos desconcertam. Os grandes romances não se oferecem de bandeja. Eles sangram, hesitam, erram. Fazem o leitor demorar. E talvez por isso mesmo jamais apareçam nas listas de mais vendidos — ao menos não com frequência.

Essa lista, portanto, é reveladora. Não do que há de melhor na literatura contemporânea, mas do que há de mais visível, mais acessível, mais acolhido pelas dinâmicas do mercado editorial. Ela mostra quem venceu o jogo da atenção. Quem sobreviveu ao algoritmo. Quem gerou engajamento, fanarts, reels e resenhas. E tudo isso tem seu valor. Mas não é o mesmo valor de quem escreve contra o tempo, contra a moda, contra a própria vontade de agradar. É uma lista sobre o que foi lido — não sobre o que será lembrado. E entre essas duas categorias, há um oceano inteiro.

Carlos Willian Leite

Jornalista especializado em jornalismo cultural e enojornalismo, com foco na análise técnica de vinhos e na cobertura do mercado editorial e audiovisual, especialmente plataformas de streaming. É sócio da Eureka Comunicação, agência de gestão de crises e planejamento estratégico em redes sociais, e fundador da Bula Livros, dedicada à publicação de obras literárias contemporâneas e clássicas.