Há novelas que a gente assiste, gosta, comenta na época… e esquece na temporada seguinte. E há outras — ah, essas são raras — que parecem cravar raízes no coração da gente, feito plantas que florescem de novo e de novo, toda vez que o tempo permite.
“O Cravo e a Rosa” é uma dessas preciosidades.
Exibida originalmente entre 2000 e 2001, escrita por Walcyr Carrasco e Mário Teixeira, a novela estreou como quem pede licença, leve, quase despretensiosa. E, no entanto, conquistou o Brasil inteiro. Não era para menos: uma trama inspirada livremente em “A Megera Domada”, de Shakespeare, mas com sotaque paulista dos anos 1920, personagens que pareciam gente de verdade — falhos, engraçados, teimosos, irresistíveis — e um humor doce, desses que não precisa de forçar piada para fazer sorrir.

Catarina Batista, vivida por Adriana Esteves no auge de sua graça dramática, era uma mulher à frente do seu tempo. Orgulhosa, brava como poucas, cheia de frases atravessadas e uma sede danada de liberdade. Petruchio, de Eduardo Moscovis, era o fazendeiro durão com coração de algodão, ainda que escondido sob muitas camadas de grosseria (e algumas de pura burrice, vá lá). Juntos, eles formavam uma dupla de gato e rato que não cansava — nem cansa — de prender o público.
E então veio o fenômeno.
Primeiro, a audiência avassaladora no horário das seis. Depois, a primeira reprise. E outra. E outra. E mais uma. No total, “O Cravo e a Rosa” já foi reprisada oficialmente pela Globo três vezes — e ainda ganhou versões especiais no streaming e nas tardes da TV aberta, renovando seu público como quem serve um café recém-passado numa tarde chuvosa.
É curioso, não? Tantas novelas cultuadas, premiadas, celebradas. Mas quem acabou gravada, episódio após episódio, na memória afetiva de gerações inteiras foi essa comédia de costumes que, à primeira vista, parecia “simples demais” para tanto amor. Engano. No Brasil, poucos produtos culturais entenderam tão bem o prazer de ver defeitos e virtudes caminhando juntos, tropeçando e rindo um do outro, sem precisar de tragédias monumentais para nos emocionar.
Talvez seja isso. “O Cravo e a Rosa” é como um conto que o avô contava na rede, à boca da noite: a gente sabe o que vai acontecer, conhece de cor o final, mas quer ouvir de novo. E de novo. Porque, em algum lugar entre uma risada, uma briga e uma conciliação atrapalhada, tem um Brasil que a gente ainda reconhece — mesmo que hoje, às vezes, a gente se esconda dele.
“O Cravo e a Rosa” não é apenas a novela mais reprisada da história recente da televisão brasileira. É, para muitos, um pedaço pequeno e luminoso daquilo que chamamos de casa.
E, convenhamos, quem não gostaria de visitá-la de novo?