A minha primeira vez: na íntegra e sem cortes

A minha primeira vez: na íntegra e sem cortes

Eu sei que as demandas da hora andam periclitantes, mesmo assim vou contar, na íntegra e sem cortes, a minha primeira vez pra vocês. Eu sei, por exemplo, que muitos estão preocupadíssimos consigo mesmo — para variar — em virtude da recente disparada do dólar. Alguns porque viajariam em compras maníacas para Miami; outros, em lua de mel para Cancun.

Os primeiros — quem sabe — terão que se contentar com as liquidações de ponta de estoque das lojinhas na 25 de março em São Paulo. Aos segundos — esta hipótese até que não soa tão broxante assim — talvez reste apenas trocar juras de amor numa pousadinha barata na montanha.

Porém, considerando que o bom da vida está na simplicidade das coisas, os improvisos de última hora não seriam de todo ruim. Mas, é que o ser humano curte um glamour. Agripino, não. Agripino e seus passa-fome contentam-se mesmo é com moela de frango, o pescoço, os pés, enfim, qualquer pedacinho da penosa fritando na panela.

Assombrados com a turbulência do câmbio, escravizados pelo medinho diuturno de se verem, de repente, atolados na mais completa e odiosa pindaíba, muitos só têm pegado no sono às custas de uísque com rivotril, estressados por conta de dívidas contraídas com a moeda americana.

Quem talvez esteja igualmente a fazer uso deste nefasto coquetel dopante sejam os políticos da situação, preocupados, não somente com a gravidade da situação, mas, principalmente, com a situação politica futura. Ninguém quer largar osso, as tetas, muito menos, a situação, vocês entendem?

Sei também que há assuntos muito mais palpitantes com os quais vocês se ocupem, do que com as minúcias, migalhas de autobiografia jamais reveladas, senão aos ouvintes bêbados dos pileques da minha juventude.

Por exemplo: as passeatas dos sem-pé-e-nem-cabeça pelas ruas do país; a proliferação incontrolável de belas perdidas na noite; a liberação do uso de gasolina batizada pelo pontífice nos papas-móveis; a descriminalização do uso de cigarros caretas pelas bandas uruguaias de reggae universitário; os tiques, chiliques e baixarias dos ministros do Suprassumo da Justiça; a importação de milhares de doses de cuba-libre para serem servidas como anestésico aos pobres moribundos nas bibocas do SUS; o embalsamento — in vivo — do Comendador Sarney pelo Ministério da Saúde; a construção de prostíbulos de segurança máxima padrão FIFA; dentre outras sandices.

Falando sério: outro dia, enquanto tomávamos umas doses de estricnina — eu, de saco cheio com tudo isso; um Deputado Federal, com a cueca cheia de dólares — o parlamentar segredou-me como foi a sua primeira vez na prática da cobrança de propina. Sabendo que a bateria do meu celular estava arriada, e que eu o escutava trespassado de indignação, o famigerado representante do povo contou, em pormenores, como conseguira, ainda na adolescência, arrancar o pirulito da boca de urna de uma secção eleitoral, quando ainda era candidato a gangster do seu bairro.

É preciso saber mentir antes que o texto termine. A minha primeira vez foi maravilhosa. Foi maravilhosa para o médico urologista, que me acudiu com doses cavalares de penicilina e piadinhas infames, sendo regiamente remunerado com a reserva técnica das minhas mesadas. Foi também maravilhosa para a prostituta sem nome, que faturou alguns trocados em menos de três minutos do meu apavoramento orgástico, com direito a ejaculação precoce, frustração e gonococos. “Então era isso?”, pensei.

Observem: amigo é (sempre foi) pressas coisas. Fomos conduzidos, eu e minha companheira (não gosto deste adjetivo sindicalista, que mais remete à companhia de quarto do que amante), ao primeiro motel barato do perímetro, no Fiat 147 do meu amigo Pedro. “Será que os quartos são limpos?”, ele perguntou. “Pedro, onde cê vai eu também vou”, respondi ao meu guru, com a voz trêmula, morrendo de medo daquela mulher.

Enquanto eu mandava super mal dentro daquele muquifo infestado de pernilongos e odor de sêmen, meu amigo Pedro ouvia “Jailbreak”, um rock incrível da banda AC/DC, na garagem da suíte. Vocês sabem: em geral, os amigos só querem ajudar. Então, o meu mentor sexual abaixou os vidros do carro e aumentou o volume ao máximo: “All in the name of liberty, yeah yeah…”.

De volta ao velho Fiat 147, deixamos a pobre mulher na mesma esquina deplorável em que a encontramos. A viagem seguiu desanimada, pois quase amanhecia. Meu amigo Pedro estava calado de sono; eu, de surpresa. Imaginem só o meu estado emocional: quando entrei em casa, até as lambidas do cachorro me comoveram.

Tomei um dos banhos mais demorados da minha vida. É que, naqueles tempos, eu sequer supunha que o mal estar não sairia com uso de bucha e sabão. Por mais que eu esfregasse, aquela estranha e impensável sensação de culpa não saía de jeito nenhum. Só uma coisa me consolava: era tudo em nome da liberdade.