Você não conseguirá piscar por 125 minutos: filme de ação da Netflix te manterá na ponta do sofá Melinda Sue Gordon / Netflix

Você não conseguirá piscar por 125 minutos: filme de ação da Netflix te manterá na ponta do sofá

“Operação Fronteira” apresenta cinco anti-heróis que atropelam princípios morais a fim de garantir que suas famílias deixem de passar necessidade, o que lhes implica várias situações, essas, sim, de fato aviltantes, como sói acontecer em quase todos os filmes de ação. Em que pese essa urgência de tipos desabridamente malditos, lutando por alguma mínima probabilidade de sobrevivência para si e para os seus, J.C. Chandor, coautor do roteiro com Mark Boal, vencedor do Oscar por “Guerra ao Terror” (2008), dirigido por Kathryn Bigelow, adota um estilo destacadamente sofisticado a fim de, primeiro, sugerir a ambivalência moral de seus protagonistas para, de pouco em pouco, fazer da deformidade ética deles o capital que não vai redimi-los, mas chega bem perto.

Em meio a tramas plenas de reviravoltas que se desenrolam em ambientes conflagrados, com personagens ou fomentando discussões, brigas e trocas de tiro ou tentando a todo custo se livrar delas, o diretor saca perspectivas inesperadas para um tema aparentemente arcaico e sem margem para maiores apreciações, vencendo a regra tácita e absurda de reproduzir o arquétipo de figuras que não raro orbitam entre a santidade de heróis abnegados e pios, cuja maior aspiração na vida é o bem da humanidade, e espíritos anômalos, disformes, que só se realizam na desgraça, sua e de terceiros, porque habituados de um modo doentio à indigência emocional. Chandor não dá ponto sem nó: em 2013, com “Até o Fim”, mostrara a que ponto um homem é capaz de descer para ficar a uma distância segura da morte; no trabalho de seis anos depois, a morte até se insinua — e revela a brutalidade de sua presença já nos estertores das mais de duas horas pelas quais a narrativa se alonga —, mas a tônica aqui é mesmo a forma como o certo e o errado se chocam, mas também se misturam sem qualquer cerimônia.

A fronteira mencionada no título é a que divide Brasil, Argentina e Paraguai, no vaivém do rio Paraná. Santiago García, o Papa, já foi membro da Força Delta, o grupamento de operações especiais do Exército americano; hoje, radicado na Colômbia, tornou-se um empreiteiro que fatura alto com contratos milionários de obras militares, valendo-se da proximidade com gente da elite da corrupta burocracia de sua nova terra. Ainda fartamente abastecido de informações confidenciais, graças à vasta rede de contatos estabelecida ao longo da carreira como soldado, García, na pele de Oscar Isaac num bom momento, está sempre algumas casas além do que as autoridades captam quanto ao manejo e à apreensão de entorpecentes.

Yovanna, a informante vivida por Adria Arjona — dispensada sem maiores explicações logo depois que surge na tela —, deixa García a par da existência de 75 milhões de dólares em dinheiro vivo que um dos chefões do cartel local escondeu em alguma parte da selva traiçoeira, por temor de ser ou roubado ou preso. Para tentar a aventura mais rentável de sua vida dissoluta, a primeira atitude é cercar-se de uma equipe competente, que tope qualquer parada sem inspirar maus pressentimentos. É a deixa para que retome a amizade com Tom Davis, o Redfly; os irmãos William, de Charlie Hunnam, também conhecido como Ironhead, e Ben Miller, de Garrett Hedlund; e Francisco Morales, o Catfish, personagem de Pedro Pascal, cada um apto a desempenhar uma função bastante precisa ao longo da empreitada — e exercitando o menoscabo com possíveis crises de consciência. É justamente por aí que Chandor ataca o mote central de sua história.

A jornada do quinteto pelas profundezas da América do Sul se revela muito mais delicada do que eles jamais poderiam imaginar. Esgotada a discussão sobre procedimentos que louvam a vontade de se dar bem a todo custo — levada às últimas consequências —, Chandor dispõe desses cinco homens como se peças num tabuleiro, em cenários em que mais que o embate com o que entendem por valores como afeto, lealdade, senso de justiça, está em jogo sua própria sobrevivência. Essa viagem termina da pior forma, especialmente para um deles, imagem um tanto simplória, mas certeira com que o diretor escolhe arrematar o filme, que por seu turno aponta para uma conclusão igualmente clara e sem desvios retóricos: o dinheiro compra tudo, menos o que importa.


Filme: Operação Fronteira
Direção: J.C. Chandor
Ano: 2019
Gênero: Ação
Nota: 8/10