As horas que separam um ano do seguinte são um tempo especialmente propício para reflexões. Enquanto fogos anunciam a possibilidade de um futuro melhor, quem ama em vão padece com o êxtase meio fingido das ruas e a tristeza de morte na alma. À medida que o relógio aproxima-se da meia-noite, o coração murcha, e então notamos que seremos obrigados a virar o calendário cheios das mágoas que não conseguimos vencer, pensando nas mensagens que não chegam, nas palavras que não ouviremos, na espaçosa ausência. Griffin e Margot, os protagonistas de “About Fate”, experimentam grandes decepções amorosas na véspera do Ano-Novo, inconscientemente à procura de uma esperança em que se agarrar. E ela surge.
A vida é um intervalo breve entre a luz do mundo e as incertezas do além, durante o qual o homem persegue respostas para questões as mais complexas, as mais misteriosas, sabendo que não as irá ter. Assim mesmo, cada um toma sua cruz e busca sentido para a caminhada, achando uma ou outra mão amiga, umas vacilantes, outras mais seguras, querendo escapar do vazio e conferir algum valor a sua jornada. Nessa releitura de “A Ironia do Destino, ou Aproveite seu Banho!” (1975), o premiado telefilme do cineasta Eldar Ryazanov (1927-2015), o também russo Marius Vaysberg atualiza o enredo, deixando de lado a paisagem comunista do trabalho de Ryazanov para concentrar-se em Griffin e Margot e as trapalhadas em que se metem — ou de que acabam fazendo parte sem querer. O roteiro de Tiffany Paulsen promove o encontro deles em circunstâncias absurdas, mas que Vaysberg consegue tornar críveis.
O diretor mostra a solidão pondo suas garras de fora, mas com muita ternura. Relações são quase sempre pautadas por crises, e não é incomum encontrar os que dizem ser adeptos de um súbito gelo a fim de que a chama do amor arda outra vez, mais forte. Margot imagina que seja esse o caso em seu namoro com Kip; ela anseia por um pedido de casamento, mas tudo quanto consegue é ser fustigada com um acerto de contas excessivamente frio — e pior para um 30 de dezembro. Griffin, ao contrário, pede a mão de Clementine, a namorada influenciadora digital, mas ela não pode aceitar, ao menos não ali, no Bennigan’s, e sem a audiência dos seguidores. Na saída, Griffin e Margot esbarram-se e acabam na cama, mas num contexto nada lascivo. Vaysberg explica esse e muitos outros mal-entendidos, levados com a seriedade possível por Thomas Mann e Emma Roberts. “About Fate” não é nenhum banquete de Ano-Novo, mas abre o apetite.
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