“Dúvida” se organiza a partir de um gesto simples e devastador: a desconfiança. Em uma escola católica do Bronx, em 1964, Irmã Aloysius Beauvier, diretora rígida e inflexível vivida por Meryl Streep, passa a acreditar que Padre Flynn, o carismático padre interpretado por Philip Seymour Hoffman, mantém uma relação inadequada com Donald Miller, o primeiro aluno negro da instituição. Não há prova concreta, apenas sinais ambíguos e um relato hesitante de Irmã James, personagem de Amy Adams. A partir daí, o enredo abandona qualquer pretensão de investigação tradicional e se concentra no efeito corrosivo da suspeita quando ela se instala em um ambiente construído sobre hierarquia e obediência.
O embate entre Irmã Aloysius e Padre Flynn extrapola a acusação específica. Ele defende uma Igreja mais próxima, menos punitiva, alinhada às mudanças daquele período. Ela enxerga nisso uma ameaça direta à ordem que acredita sustentar a moral da comunidade. A interpretação de Streep constrói uma personagem que confunde convicção com virtude, enquanto Hoffman sustenta um padre afável, inteligente e sempre um passo à frente nos confrontos verbais. Cada diálogo entre os dois funciona como um duelo filosófico: de um lado, a certeza como instrumento de controle; do outro, a ambiguidade como espaço de negociação.
O papel dos que hesitam
Irmã James ocupa uma posição central justamente por sua indecisão. Amy Adams constrói uma freira jovem, sensível, ainda não endurecida pela lógica institucional. Ela percebe que algo pode estar errado, mas teme as consequências de agir sem garantias. Essa hesitação não é covardia, mas consciência do dano que uma acusação pode causar. A personagem funciona como contraponto moral aos extremos representados por Aloysius e Flynn, lembrando que a dúvida também pode ser um gesto ético.
A cena entre Irmã Aloysius e a mãe de Donald Miller, interpretada por Viola Davis, desloca o debate para um terreno incômodo. Ali, a questão deixa de ser apenas moral e passa a ser social. A permanência do menino na escola, mesmo sob suspeita, surge como única chance de futuro melhor. O diálogo expõe o custo humano das decisões tomadas em nome de princípios abstratos. Em poucos minutos, o filme desmonta qualquer leitura confortável e revela como estruturas de poder tendem a preservar a si mesmas.
Um desfecho sem absolvição
“Dúvida” não entrega respostas definitivas. O destino de Father Flynn sugere culpa sem jamais confirmá-la, enquanto a vitória institucional de Irmã Aloysius cobra um preço íntimo alto demais. Resta a imagem de uma mulher que alcançou seu objetivo, mas perdeu a solidez das próprias crenças. O filme não pergunta apenas se o padre é culpado, mas o que acontece quando a certeza se impõe sem provas e quando a dúvida, em vez de ser enfrentada, é usada como arma. Essa escolha mantém a narrativa viva muito depois do último diálogo, incomodando justamente por não oferecer conforto.
★★★★★★★★★★





