Discover
Você vai achar que entendeu cedo demais — esse suspense com Anne Hathaway na Netflix te hipnotiza… e te desmonta no final Divulgação / Neon

Você vai achar que entendeu cedo demais — esse suspense com Anne Hathaway na Netflix te hipnotiza… e te desmonta no final

O desejo pode ser um impulso vital, uma força criadora que nos projeta para o mundo. Como nada é perfeito, muitas vezes os anseios degringolam em obsessão, sentimento ambíguo que puxa a violência, sem limites para a justificativa de qualquer absurdo e a iminência da tragédia. Atordoada, Eileen Dunlop persevera, sobrevive, talvez nem esperando mais receber neste plano as recompensas pelo cotidiano de sacrifícios, até que anuncia-se-lhe uma salvadora. Um certo messianismo dá o tom em “Meu Nome era Eileen”, um thriller psicológico melodramático que usa de muita sofisticação para falar de baixezas.

Respaldado pela fotografia de Ari Wegner e a edição de Nick Emerson, o diretor William Oldroyd constrói um labirinto de melancolia e repulsa, onde as aparências enganam. Eileen já teve seus sonhos, mas hoje se conforma em apenas existir. Numa cidadezinha de Massachusetts, na Nova Inglaterra de 1964, ela é a típica representante de uma juventude desiludida, tentando lidar com problemas grandes demais para seus ombros delicados. Ela trabalha num centro para adolescentes infratores sem muita certeza, observa tudo mas nunca é consultada, alimenta delírios eróticos por guardas magricelas, comete uma ou outra transgressão e volta para casa, onde mora com um pai bêbado que morrerá de cirrose. Junto com Luke Goebel, Ottessa Moshfegh adapta seu romance de estreia, de 2015, desdobrando ao máximo a triste figura da protagonista, para realçar sua surpresa no momento em que uma loira voluptuosa salta de um conversível vermelho e atravessa o estacionamento do reformatório. Rebecca St. John, a nova psiquiatra, é apresentada na breve reunião com os demais funcionários em que Eileen a admira de longe. E suspira.

O filme suaviza as passagens escatológicas descritas por Moshfegh, preferindo fixar-se na aproximação entre as duas mulheres, rápida, como se tivessem se procurado a vida inteira e se descoberto naquele lugar sem esperança. Aos poucos, Oldroyd vai sugerindo a possibilidade de um romance entre elas, dando a entender também que haja um distanciamento cronológico daquilo que é narrado e como está Eileen depois da experiência mais gratificante de sua vida, maculada por um crime. Em ambas as conjunturas, Thomasin McKenzie é hábil em capturar a fraqueza e a bestialidade súbita e libertadora de Eileen, que toma parte no sequestro de Rita Polk, a mãe de um interno que assassinara o próprio pai meses antes. Marin Ireland concentra essa reviravolta de maneira tão visceral que a loucura de Eileen e Rebecca até fica em segundo plano, mesmo com Anne Hathaway num papel nada óbvio. Feito tudo nesse filme, aliás.

Filme: Meu Nome era Eileen
Diretor: William Oldroyd
Ano: 2023
Gênero: Mistério/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.