Então, é natal. Ninguém suportava mais ouvir a Simone cantando a versão brasileira para “Happy Xmas” (War is over) de John Lennon. A culpa não era da Simone, que sempre cantou bem à beça, uma das maiores intérpretes da MPB. A culpa era da repetição, portanto, da gente mesmo. Tudo em excesso enjoa. Até sexo. No duro. Sem trocadilhos infames, por gentileza. Sexo demais pode acabar em verrugas, enjoos, estrias, filhos e pensões alimentícias. Cuidado! Meninos vestem azul. Meninas vestem rosa. Doidos varridos vestem camisa-de-força. Na medida em que se envelhece, as expectativas de um indivíduo para o Natal vão se arrefecendo, a ponto de se transformar na falta delas. Claro que a afirmação não vale para todos. É uma percepção pessoal. À certa altura da vida, pode ser que o sujeito comece a se perguntar, não a que horas será servida a ceia, mas, a que horas as pessoas vão embora, ébrias e fartas de comida. Sim. É claro. Nem todo mundo mete o pé na jaca. Agora, quase todos se esquecem de que o Natal é uma época do ano na qual se comemora o nascimento do Menino Jesus. Não o Jesus, técnico português que dirigiu o Mengão, muito menos, aquele sujeito que pegou a Madonna. Pegou no bom sentido, óbvio. Para os mais jovens e desavisados, esclareço que a Madonna não é a Madona, a Virgem Maria, mas — Vixi, Maria! — a artista estadunidense considerada a maior cantora pop de todos os tempos. É o que se diz. Nunca curti Madonna, embora, mesmo não sendo santo como Jesus, namorasse fácil com ela nos anos 1990, se ela insistisse. Sou um cara difícil. Difícil de aguentar, eu admito. Continuando a besteirada: com o passar do tempo, o veterano vai ficando mais seletivo, mais difícil de agradar e de ser agradado; um ser desagradável, enfim. E menos tolerante ao barulho, transformando-se naquele tipo insuportável que ninguém assume ter convidado para a confraternização familiar. Se tem uma coisa que incomoda um sujeito nessas fezes da vida, ou melhor, nessa fase da vida, é o som tungado no 12. Pelo simples fato de que não se consegue escutar o que os outros estão dizendo, logo, a comunicação torna-se caótica, o camarada sente-se surdo, mais por baixo do que diferencial de sapo, mais por fora do que umbigo de vedete. O que é vedete? Sinto muito. Não vou explicar. Como diria o capitão, dá um Google aí, tá okay?! Já gostei de natais. Contudo, ainda não atingi o grau extremo de sentir menosprezo pelos festejos natalinos. Não. Isso não. Ranzinzice tem limite, assim como o botão que controla o volume de som da vitrola, quer dizer, o botão que controla o volume de som daquelas caixinhas de bluetooth. Sim. Estou hiperbólico. E mau humorado também. Talvez eu mereça uma Magnitsky. Ou uma chuva de miolo-da-alcatra sobre a cabeça. Sei lá. O mundo pirou. Ontem, tinha um empresário dono de frigorífico dando rasantes com o seu helicóptero particular, para despejar pacotes de carne sobre uma comunidade carente. Troço de doido. O ano demorou para terminar. Foi canseira, mas sobrevivemos aos sem-noção. Assim como sobrevivemos ao chester, ao peru, ao arroz com passas, ao amigo oculto, às intermináveis tretas familiares e às piadas dos parentes. Então, é natal. Vai ser chata assim lá na Baía de Todos-os-Santos, minha filha! Perdão, Simone. Devo ter dormido de calça jeans. Não me lembro. A última coisa de que me recordo foi o cunhado mala rasgando o verbo no karaokê. Coitado do verbo. Antes, a surdez. Estou brincando. Não levem tudo ao pé da letra. Acordei pistola. Acordei bolado o suficiente para abusar da ironia e do sarcasmo ao escrever a última crônica do ano, a qual não quer dizer lá grandes coisas. O que posso fazer? Estou macambúzio feito um peru em véspera de Natal. E de ressaca também. Mas, ainda me resta alguma hombridade para desejar aos leitores um espetacular feriado em família. Que o ano novo seja tão bom quanto pudim de leite condensado. Aleluia, irmãos. Não se esqueçam de que só Jesus salva. Que o diga a apaixonada nação flamenguista.


Besteirada
Eberth Vêncio
Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 60 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.
