Em Taipei, a polícia e a família acabam usando o mesmo corredor: entram, fecham portas, pedem silêncio e recolhem orgulho quebrado. Em “A Sun”, Chen Yi-wen, Samantha Ko e Wu Chien-ho, sob direção de Chung Mong-hong, acompanham Wen, um pai que decide preservar o nome da casa depois que o filho mais novo se envolve num caso criminal, e descobre que a limpeza pública pode envenenar a intimidade.
A história abre com um ato de violência que não pede leitura psicológica, pede consequência. A-Ho vai para a unidade juvenil, e a vida dos Chen vira uma agenda de visitas, audiências e deslocamentos. Qin decide cruzar a cidade para vê-lo, porque entende que a lei prende o corpo, mas não resolve o vínculo. Wen decide não ir, por convicção e vergonha, apostando que a ausência ensina responsabilidade. O obstáculo é imediato: o Estado impõe horários e regras, e a punição se espalha para quem ficou do lado de fora.
Com a sentença em curso, o filme se detém nas etapas miúdas que costumam desaparecer em histórias de crime. Qin precisa negociar com guardas, fichas, filas, minutos contados para um abraço. Wen, instrutor de direção, escolhe impor em casa a firmeza que vende a alunos: olhar reto, não vacilar, decidir o caminho. No escritório da autoescola há um cartaz com uma frase motivacional, e ele a repete como se fosse volante e freio ao mesmo tempo. O obstáculo, agora, é doméstico: cada cobrança gera mais silêncio, e o silêncio vira regra.
Credores, ameaças e a rua como extensão do caso
Do lado de fora, o caso cria credores. Um homem aparece exigindo compensação, misturando ameaça e formalidade, como quem leva uma intimação na calçada. Wen decide negar pagamento, por orgulho e por uma noção rígida de culpa: o delito pertence ao filho, não ao pai. O obstáculo é que a rua não respeita essa separação. A recusa alonga o conflito, expõe o trabalho de Wen e transforma encontros casuais em negociação. Quando a câmera se coloca em cantos de porta e atrás de ombros, a informação chega sempre tarde, como acontece numa família que não pergunta.
A outra ponta do drama é A-Hao, o filho mais velho, tratado como prova de que o sobrenome ainda pode significar estudo e futuro. Wen decide apertar o passo dele com cursinhos, horários e expectativas, motivado pela ideia de compensar o filho “problemático” com o filho “promissor”. O obstáculo é silencioso e cresce dentro do quarto: A-Hao precisa comprovar desempenho sem ter margem para falhar. Qin, tentando evitar um colapso da casa, decide segurar para si certas notícias ligadas a A-Ho. A intenção é proteger; o efeito é que a família passa a funcionar por versões, e não por conversa.
A disciplina do pai e a casa governada por silêncio
Wen decide. Não explica. Endurece. Sai cedo. Volta tarde. Pede ordem. Não pergunta. Qin insiste. Cede. Insiste de novo. A-Ho aprende a medir o tamanho do olhar do pai. A-Hao aprende a desaparecer sem sair do lugar. O corredor vira território.
Chung Mong-hong filma esse cerco sem elevar o tom, e a tensão nasce do tempo que ele concede à hesitação, ou melhor, ao instante em que alguém poderia falar e escolhe engolir a frase, não exatamente assim por covardia, mas por falta de vocabulário para o que dói. Um rosto fica em quadro depois da resposta mais simples; um copo permanece sobre a mesa quando ninguém quer tocar no assunto. Ele não diz, mas a luz que entra em retângulos no apartamento funciona como marcação de interrogatório. E a repetição de portas, portas, portas lembra que, ali, segredo não é mistério: é rotina que cobra juros.
A volta de A-Ho e as negociações com o passado
Quando A-Ho sai da unidade, ele decide trabalhar em empregos de baixa visibilidade, tentando sustentar a nova responsabilidade que assumiu. A motivação é clara: manter a casa fora do alcance de antigos parceiros. O obstáculo é que esses parceiros reaparecem com o vocabulário de sempre, oferecendo “serviço” como quem oferece saída, e cobrando lealdade como se fosse contrato. A-Ho tenta dizer não e paga o preço; tenta dizer sim e paga outro. O filme acompanha as negociações como se fossem depoimentos, com a sensação de que um erro de palavra pode voltar para casa na forma de ameaça.
É nesse ponto que “A Sun” alcança seu maior risco. Wen percebe que, mantendo distância, perdeu a capacidade de proteger o filho que sobrou, e decide se aproximar, movido por culpa e por cálculo: evitar que o caso se transforme em vingança e chegue à porta do apartamento. O obstáculo é que ele chega tarde ao tabuleiro e não controla os jogadores, nem a velocidade com que a rua cobra. Para impedir que A-Ho seja tragado de novo, Wen escolhe um caminho que não passa pela polícia nem pelo tribunal, e a consequência imediata é a de uma família que, para se salvar, precisa aceitar um tipo de violência que sempre jurou manter do lado de fora.
Na reta final, o filme mantém os Chen em suspensão. Qin decide seguir com o que consegue nomear: trabalho, cuidado, rotina, a insistência em abrir a porta quando alguém bate. A-Ho decide aceitar essa mão estendida, mas passa a olhar o corredor antes de desligar a luz. Wen, cercado pelo que fez e pelo que deixou de dizer, permanece no limiar entre o quarto e a sala, como se ainda estivesse escolhendo uma rota. A casa respira, mas não promete paz.
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