Em A guerra é divertida, um dos capítulos finais de “A Primeira Vítima” (1975), o australiano Philip Knightley (1929-2016) defende, norteando-se pelo que escutou de oficiais e jovens recrutas que estiveram presentes no campo de batalha, que confrontos armados teriam o poder de reviver a infância daqueles homens entediados. Seymour “Sy” Myron Hersh deve ter achado Knightley um leviano — e quem pode dizer que esteja errado? Bastião da imprensa livre, o rabugento Hersh viu a História ser feita diante de seus olhos ao denunciar o Massacre de Mỹ Lai, o assassinato de cerca de quinhentos civis, a maioria mulheres, crianças e idosos, por soldados americanos nas aldeias sul-vietnamitas de Mỹ Lai e My Khe durante a Guerra do Vietnã (1955-1975), em 16 de março de 1968. O empenho de Hersh em expor os abusos das tropas de Lyndon B. Johnson (1908-1973) — que acabou não disputando a reeleição, tamanho o impacto negativo do episódio — é um dos pontos altos de “Seymour Hersh: Em Busca da Verdade”, retrospecto minucioso da carreira de um profissional que mudou o conceito de reportagem investigativa. No documentário, a diretora Laura Poitras e o produtor Mark Obenhaus formulam hipóteses para explicar o sucesso de Hersh, personagem a um só tempo tão comum e raro.
Poitras leva o seu biografado por caminhos dos quais ele se lembra com doçura, sem jamais deixar-se levar pelas paixões. Hersh ainda não poderia saber, mas jogaria luz sobre um dos maiores escândalos da América a partir de um obscuro tenente do Exército, aparentemente enlouquecido pela pressão da guerra. William Laws Calley Junior (1943-2024) estava à frente do pelotão de infantaria que trucidou a população de Mỹ Lai, e teria permanecido nas sombras não fosse a obstinação do jovem Hersh, à época um free lancer da Associated Press que não se conformava em copidescar os releases do Pentágono em textos de quinhentas palavras. Havia muito mais a ser explicado do que o governo queria admitir, Hersh tirou os véus das narrativas oficiais e começou a incomodar. Henry Kissinger (1923-2023), o todo-poderoso secretário de Estado americano, estava decidido a caçar o “comunista” Hersh, da maneira mais discreta possível, uma vez que sua matéria já rodava o mundo e, dois anos mais tarde, render-lhe-ia o Pulitzer de Reportagem Internacional. Ter sido contratado pelo “New York Times”, consequentemente, esticou a corda um pouco mais.
A aproximação entre Hersh e Poitras é também mediada por atrito. A certa altura, ele parece furioso ao verificar que a diretora conseguiu a identidade de algumas de suas fontes e ameaça interromper as conversas. Vencedora do Oscar de Melhor Documentário por “Citizenfour” (2014), um perfil de Edward Snowden, o delator da NSA, a agência americana de segurança, Poitras não se intimida, e até obtém de Hersh declarações de amor à esposa, a psicanalista Sarah, figura central em sua resistência. Seymour Hersh se conserva um ardoroso entusiasta da imprensa livre, um dos grandes legados da Revolução Francesa (1789-1799), dada pela redação do artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 26 de agosto de 1789. Agora no Substack, uma plataforma para criadores de conteúdo, e sem planos de aposentar-se.
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