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Um dos filmes mais bonitos dos últimos anos está no Prime Video e quase ninguém percebeu Gianni Fiorito / Fox Searchlight

Um dos filmes mais bonitos dos últimos anos está no Prime Video e quase ninguém percebeu

Durante alguns dias num hotel de luxo nos Alpes suíços, dois veteranos do mundo artístico tentam transformar descanso em rotina previsível. Em “A Juventude”, dirigido por Paolo Sorrentino, Michael Caine e Harvey Keitel dividem a cena com Rachel Weisz num enredo em que a cortesia vira disputa: o maestro aposentado Fred Ballinger recebe um convite oficial para voltar a reger, decide recusar e, ao segurar a resposta, cria atritos que atingem o amigo cineasta, a filha e o próprio ambiente ao redor.

Ao se instalar, Ballinger toma uma decisão repetida: não dar acesso. Ele evita jornalistas, pede que recados sejam filtrados e encerra conversas antes que virem negociação, porque quer manter a aposentadoria como um fato consumado. O obstáculo é que o convite retorna em visitas formais, bilhetes e insistências educadas, sempre exigindo um sim ou um não. A cada recuo, ele perde controle sobre o que os outros contam a seu respeito, e o hotel passa a cercá-lo com curiosidade, perguntas e expectativa, como se o silêncio fosse uma novidade à venda.

Mick Boyle e o roteiro sob cobrança

Mick Boyle escolhe o movimento e puxa o amigo para perto por necessidade. Ele monta uma sala de trabalho improvisada, chama roteiristas jovens e tenta fechar um roteiro ali mesmo, motivado por um acordo com produtores e pela ideia de filmar antes que a energia falte. O obstáculo aparece quando o projeto depende de uma atriz que ainda não confirmou participação. Para reduzir o risco, Mick decide reescrever cenas sem ter a confirmação, muda diálogos a cada reunião e mantém o grupo exposto no saguão, onde ligações de produtores entram sem cerimônia e viram cobrança pública. O efeito é um trabalho feito sob observação, com prazos que se estreitam a cada frase refeita.

O hotel como vitrine e cerco social

O hotel, por sua vez, impõe uma convivência que ninguém controla. Um ex-atleta treina com agressividade para recuperar fôlego; uma jovem miss circula como celebridade em miniatura; um casal transforma dieta em disputa diária. Ballinger decide observar de longe, motivado por autoproteção e por um hábito antigo de medir pessoas antes de se envolver. O obstáculo é que o isolamento chama atenção, e cada olhar curioso vira mais um pedido de explicação. O efeito é que o descanso se torna vigilância: ele altera horários, troca de mesa e calcula rotas pelos corredores para não ser abordado pelo emissário nem por hóspedes que querem uma frase de efeito.

Lena pressiona e o impasse ganha custo

Nesse cerco, Lena decide apertar o pai. Ela organiza telefonemas. Ela reduz brechas na agenda. Ela pede uma resposta. A motivação é concreta: precisa cuidar da saúde dele e também sustentar um casamento que se desfaz fora dali. O obstáculo é a recusa em justificar. Ballinger fala pouco. Muda de assunto. Sai para caminhar. A consequência imediata é que Lena passa a negociar com o emissário sem o pai, tentando resolver o impasse como tarefa prática, e Mick usa o conflito como pressão adicional, porque a indecisão do amigo começa a atrapalhar a logística dela e o clima do próprio retiro.

Quando a insistência retorna com peso institucional, a recusa começa a custar mais caro. Ballinger mantém o não, motivado por uma lembrança pessoal ligada à música e por uma ideia rígida de dignidade profissional. O obstáculo passa a ser a falta de explicação para quem precisa de fatos, não de frases. Sorrentino marca isso em encontros no saguão em que a câmera demora na hesitação antes da resposta; esse atraso altera o que se entende da conversa, porque expõe a defesa antes do argumento. Em paralelo, sons de ensaio e instrumentos afinando atravessam paredes e chegam até o spa, obrigando Ballinger a admitir, ao menos para si, que o assunto o acompanha. Ele decide continuar andando, mas o som encurta a fuga.

Enquanto Ballinger tenta sustentar a negativa, Mick é cobrado por resultado. Ele decide apostar tudo na visita da atriz de quem depende seu filme, prepara a equipe e ensaia um discurso de convencimento, motivado por urgência e medo de perder controle sobre a própria imagem. O obstáculo se instala quando ela chega e, com franqueza pública, desmonta o roteiro e o lugar de Mick diante de roteiristas e hóspedes. A consequência é rápida: o grupo se dispersa, a escrita trava e Mick passa a tratar cada conversa como avaliação, reagindo com pedidos apressados e promessas que aumentam a insegurança de quem trabalha com ele.

Perto do ponto em que adiar deixa de ser possível sem dano, Ballinger recebe uma abordagem final e precisa decidir como responder diante de Lena. Ele escolhe restringir o que diz, porque tenta proteger uma pessoa do passado e evitar que sua vida íntima vire moeda de negociação. O obstáculo é que Lena, com informações incompletas, lê a reserva como deslealdade e endurece, tratando o convite como item de agenda, não como assunto de família. A estadia avança para um gesto prático: Ballinger aceita participar de um ensaio local com músicos do hotel, colocando o corpo e o ouvido de novo na linha de frente. O filme encerra esse movimento sem entregar a resposta oficial, deixando no ar apenas o impacto imediato da escolha e o desgaste acumulado dentro daquele hotel, onde ninguém consegue descansar por completo.

Filme: A Juventude
Diretor: Paolo Sorrentino
Ano: 2015
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★