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Com Kate Winslet e Helen Mirren, drama acaba de chegar na Netflix e vai fazer você terminar o ano em lágrimas, mas com a alma lavada Divulgação / Netflix

Com Kate Winslet e Helen Mirren, drama acaba de chegar na Netflix e vai fazer você terminar o ano em lágrimas, mas com a alma lavada

“Adeus, June” se organiza em torno de uma casa cheia demais para uma ausência que ainda não aconteceu. June, interpretada por Helen Mirren, está morrendo e decide passar seus últimos dias cercada pelos filhos, netos e afetos mal resolvidos. A narrativa não se constrói a partir do choque da morte, mas da convivência com ela, algo muito mais incômodo. A câmera acompanha esse retorno forçado ao núcleo familiar como quem observa uma ferida sendo reaberta lentamente, sem pressa de cicatrizar. Há carinho, há ironia, há ressentimento, e tudo isso circula pelos corredores da casa como um ar pesado que ninguém consegue ignorar.

Julia, vivida por Kate Winslet, é o eixo emocional dessa reunião. Filha, mãe, mediadora involuntária dos conflitos alheios, ela carrega uma exaustão silenciosa que nunca se transforma em autopiedade. O enredo avança a partir dessas pequenas fricções: conversas interrompidas, silêncios prolongados, risadas que surgem em momentos inadequados. Não há pressa em chegar ao fim, porque o interesse está nesse meio do caminho onde ninguém sabe exatamente como se comportar diante do inevitável.

O pai que não se dissolve

Timothy Spall oferece o retrato mais desconfortável do filme como o pai de família, um homem em processo de perda cognitiva que alterna lapsos de gentileza com uma presença sufocante. Ele não é reduzido a um símbolo da decadência, tampouco tratado como alívio cômico. Sua existência exige paciência constante e expõe um tipo de desgaste que raramente recebe atenção: o cansaço de amar alguém que já não consegue retribuir de forma estável. As cenas entre ele e June condensam o núcleo emocional da narrativa, pois ali o amor conjugal persiste mesmo quando a memória falha e a autonomia desaparece.

Esse personagem impede que “Adeus, June” escorregue para o sentimentalismo fácil. A morte não é o único processo de desaparecimento em curso, e isso amplia o alcance do filme. Não se trata apenas de dizer adeus, mas de lidar com alguém que já começou a partir muito antes do último suspiro.

Família, excesso e escolhas discutíveis

O roteiro, assinado por Joe Anders, oscila entre momentos de acerto e decisões questionáveis. Há diálogos afiados e situações observadas com sensibilidade, mas também uma sucessão de conflitos resolvidos com rapidez excessiva. A inclusão de figuras secundárias carregadas de simbolismo, como a enfermeira Angel, soa didática e desnecessária, como se o texto desconfiasse da capacidade do espectador de compreender nuances sem sublinhados morais. Ainda assim, alguns arcos funcionam justamente por evitarem grandes discursos. Relações afetivas se afirmam em gestos mínimos, olhares desviados, presenças silenciosas.

Toni Collette aparece como um elemento de tensão cômica que nem sempre encontra o tom certo. Sua personagem funciona melhor quando abandona o exagero e permite que a dor apareça sem a proteção do humor. Johnny Flynn entrega um desempenho honesto, ainda que limitado pela escrita de um personagem que raramente surpreende. Em contraste, Elias Whittaker, como Tibalt, oferece uma espontaneidade rara. Cada cena sua parece livre de cálculo, lembrando que a naturalidade é um recurso poderoso quando não se tenta controlá-la demais.

Direção, tempo e o conforto do fechamento

Na direção, Kate Winslet demonstra segurança ao organizar múltiplos núcleos sem perder o fio narrativo. As escolhas de montagem, especialmente nas cenas paralelas, reforçam a ideia de simultaneidade emocional: enquanto alguém ri, outro desmorona em silêncio. O ritmo é paciente, às vezes indulgente, mas coerente com a proposta de observar uma família em suspensão. Winslet, como atriz, entrega uma Julia contida, evitando o excesso melodramático que o tema poderia estimular. Há ecos de personagens anteriores, mas sem cair na repetição vazia.

O desfecho aposta em um encerramento conciliador, algo que pode frustrar quem espera fissuras mais abertas. Ainda assim, há coerência na escolha. “Adeus, June” não pretende ferir o espectador, mas acompanhá-lo até um lugar de aceitação possível. Isso não elimina suas fragilidades, nem as decisões que suavizam conflitos complexos, mas confirma a intenção central: tratar a morte como parte da vida cotidiana, atravessada por afeto, irritação, riso e cansaço. É um filme que prefere o conforto honesto ao impacto calculado, e essa opção, mesmo imperfeita, sustenta sua força emocional.

Filme: Adeus, June
Diretor: Joe Anders
Ano: 2025
Gênero: Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★