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O público parou de maratonar séries — e o streaming ainda não percebeu

O público parou de maratonar séries — e o streaming ainda não percebeu

O streaming ampliou sua presença no consumo de televisão. Ao mesmo tempo, pesquisas de mercado sugerem que escolher o que assistir virou um gargalo, com efeitos sobre engajamento e retenção. Nos Estados Unidos, a Nielsen informou que o streaming representou 44,8% do uso total de TV em maio de 2025 e ultrapassou, pela primeira vez, a soma de broadcast e cabo (44,2%). O número ajuda a medir o peso do streaming na rotina de consumo de vídeo.

Em novembro de 2025, a Gracenote, unidade de dados da Nielsen, divulgou os resultados do relatório 2025 State of Play, baseado em pesquisa com 3.000 consumidores em Brasil, França, Alemanha, México, Reino Unido e Estados Unidos. O estudo registrou que quase 33% dizem que a fragmentação de conteúdo e serviços piora sua experiência de TV e que 45% descrevem a experiência de streaming como esmagadora. A Gracenote também informou que os consumidores gastam, em média, 14 minutos procurando o que assistir.

O que os dados mostram sobre cansaço e dificuldades

O relatório da Gracenote relaciona a dificuldade de descoberta a comportamentos relevantes para as plataformas. Na pesquisa, 19% afirmam abandonar uma sessão de visualização quando a busca por conteúdo não dá certo. O documento também registra que 49% dizem estar dispostos a cancelar um serviço por não conseguirem encontrar o que assistir. Há, ainda, um recado sobre navegação: 66% demonstraram interesse em ferramentas como um guia único com informações de conteúdo em vários serviços e indicações claras de onde encontrar programas.

Os achados tratam de dificuldade de uso e intenção de cancelamento, mas não medem diretamente quantos episódios cada usuário assiste em sequência. Ainda assim, deixam a experiência de uso em números: tempo de procura, sensação de excesso e abandono de sessão. Em um setor baseado em recorrência, esse tipo de atrito pesa nas decisões sobre interface e recomendação — e também na forma como episódios e temporadas são colocados no ar ao longo do tempo.

Maratona perde espaço como padrão único de lançamento

Uma evidência pública de mudanças na estratégia de distribuição aparece em análise da Parrot Analytics. Em agosto de 2023, a empresa avaliou as 50 séries originais de streaming mais populares nos Estados Unidos entre 2020 e 30 de julho de 2023. O estudo registrou queda de 14% na participação de oferta de títulos lançados em maratona dentro do Top 50 e queda de 15% na participação de demanda atribuída ao formato no período analisado. No mesmo intervalo, a Parrot registrou aumento de 16% na participação de oferta e de 18% na participação de demanda das estratégias periódicas, que combinam liberações em blocos e distribuição ao longo do tempo.

A Parrot Analytics observa que nem a maratona nem o lançamento semanal são, por definição, obsoletos, e que o formato depende do objetivo de cada serviço e do tipo de conteúdo. O dado verificável do recorte é a perda de participação relativa do binge como padrão de lançamento e a expansão de modelos que estendem a liberação de episódios no tempo, em linha com a busca por retenção.

Cancelamentos e valor percebido no pano de fundo

A discussão sobre engajamento ocorre em um ambiente de fadiga de assinatura, com custo e baixa utilização citados como motivos para cortes. No Reino Unido, a YouGov publicou em abril de 2024 resultados de uma pesquisa com mais de 2.000 consumidores (16+) indicando que 31% cancelaram ou removeram pelo menos um serviço de streaming nos 12 meses anteriores e que 39% consideravam provável cancelar ao menos um serviço nos 12 meses seguintes.

Nos Estados Unidos, a Deloitte informou em março de 2025, no press release do relatório Digital Media Trends, que 53% dos entrevistados dizem usar streaming sob demanda com mais frequência do que outros serviços pagos de mídia e entretenimento. Ao mesmo tempo, 47% afirmam pagar demais pelos streamings que utilizam e 41% dizem que o conteúdo não vale o preço. A Deloitte também registrou que um aumento de US$ 5 seria suficiente para levar 60% a cancelar o serviço favorito.

O que é mensurável e o que ainda não é público

No audiovisual, importância e mudança de hábito costumam ser aferidas por indicadores objetivos. Participação no tempo total de TV, medidas de dificuldade de uso (minutos de busca e abandono de sessões), intenção de cancelamento e pesquisas de churn ajudam a mapear sinais de saturação, custo e retenção. Quando esses sinais se combinam a análises de oferta e demanda por estratégia de lançamento, torna-se possível descrever parte do ambiente de consumo com base em evidências públicas.

O principal limite para afirmar que o público parou de maratonar é a ausência de dados abertos e padronizados sobre consumo por sessão. As plataformas não divulgam, de forma consistente e auditável, quantos episódios os assinantes assistem em sequência, quanto tempo permanecem por sessão ou em quantos dias concluem temporadas. O que as fontes públicas sustentam é mais restrito: há sinais de dificuldade crescente na escolha do que assistir, pressão por valor percebido e evidências de que a maratona perdeu participação relativa como padrão único de distribuição.