“Garotas em Fuga” chegou cercado por um barulho que diz mais sobre o público do que sobre o próprio filme. Parte da recepção parece contaminada por uma ansiedade específica: a de exigir relevância histórica, densidade temática ou uma tese de doutorado disfarçada de comédia. Nada disso interessa aqui. O longa de Ethan Coen, conscrito com Tricia Cooke, prefere o terreno do prazer imediato, da anarquia narrativa e do riso sem pedido de desculpas.
Jamie, vivida por Margaret Qualley, e Marian, interpretada por Geraldine Viswanathan, partem para uma viagem de carro rumo à Flórida após um término caótico. O que começa como fuga emocional vira uma sucessão de encontros absurdos quando elas cruzam com um automóvel errado, recheado de algo que definitivamente não lhes pertence. A partir daí, perseguições, figuras excêntricas e decisões impulsivas conduzem a trama com uma leveza que desafia qualquer expectativa de “importância”. O desconforto que o filme provoca em certos setores nasce justamente dessa recusa em se explicar ou se justificar.
Personagens, desejo e humor como desarme
Jamie é puro impulso, um corpo em permanente colisão com o mundo, enquanto Marian funciona como seu contraponto ansioso, mais contida, menos disposta a improvisar a própria existência. A química entre Qualley e Viswanathan sustenta o filme sem esforço, criando uma dinâmica que dispensa discursos edificantes. O desejo circula livremente, sem enquadramentos moralizantes, e o sexo aparece como parte do cotidiano, não como evento extraordinário. Ao redor delas, surgem personagens que parecem atravessar o filme como se estivessem de passagem por outra dimensão.
Colman Domingo encarna um chefe do crime com solenidade quase teatral, Matt Damon surge em chave de caricatura política, Pedro Pascal aparece brevemente como um delírio autoconsciente, e Miley Cyrus atravessa a narrativa em aparições psicodélicas que flertam com o nonsense. O humor nasce desse choque constante de registros, da convivência entre o banal e o grotesco. Não há interesse em lapidar arcos psicológicos profundos; a aposta está na fricção, no excesso e na liberdade.
Estilo, ritmo e a recusa do prestígio
Com pouco mais de oitenta minutos, “Garotas em Fuga” não pede licença nem promete transcendência. A montagem aposta em transições alucinadas, nem sempre equilibradas, mas coerentes com a lógica do desvio permanente. O ritmo acelerado impede qualquer apego prolongado, inclusive aos próprios conflitos. Jamie e Marian jamais parecem realmente ameaçadas, e essa ausência de perigo concreto é deliberada: o interesse não está na tensão, mas no percurso. A narrativa prefere errar por excesso de irreverência do que se acomodar em segurança dramática.
Comparações com títulos consagrados da filmografia dos irmãos Coen são inevitáveis, mas também improdutivas. Aqui, Ethan Coen brinca com o próprio legado, reduz expectativas e entrega uma comédia de estrada que assume sua superficialidade como método. O incômodo que o filme provoca talvez seja simples: ele não quer ser maior do que é. Quer divertir, provocar risos desconfortáveis e desaparecer rápido da memória, como uma boa noite imprudente. Para alguns, isso será pouco. Para outros, exatamente o suficiente.
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