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Alan Ritchson e Hilary Swank estrelam drama sobre sobrevivência, luto e solidariedade, no Prime Video Divulgação / Kingdom Story Company

Alan Ritchson e Hilary Swank estrelam drama sobre sobrevivência, luto e solidariedade, no Prime Video

“Uma Vida de Esperança” não pede licença para existir no território dos dramas inspirados em fatos reais, mas também não se ajoelha diante do sentimentalismo simplista que costuma dominar esse tipo de narrativa. O filme escolhe um caminho mais incômodo: o da solidariedade como esforço coletivo, imperfeito e, muitas vezes, movido por pessoas que estão longe de serem exemplares. É nesse espaço, menos polido e mais humano, que a história encontra fôlego.

A trama se passa em uma cidade pequena do Kentucky e gira em torno de Ed Schmitt, vivido por Alan Ritchson, um pai viúvo tentando manter a casa de pé enquanto cuida de duas filhas. A mais nova, Michelle, enfrenta uma grave doença renal que exige tratamento constante e, mais adiante, um transplante. Sem plano de saúde, com contas médicas que se acumulam e um luto ainda mal cicatrizado, Ed representa um tipo muito específico de masculinidade americana: silenciosa, exausta e treinada para não pedir ajuda, mesmo quando afunda.

Entra em cena Sharon Steves, interpretada por Hilary Swank, uma cabeleireira conhecida na cidade tanto pelo talento com a tesoura quanto pelo talento em arrumar confusão. Sharon bebe demais, fala o que não deve e carrega uma relação fraturada com o próprio filho adolescente. Nada nela sugere vocação para heroína. Quando cruza o caminho de Ed e de suas filhas, não há iluminação moral nem epifania instantânea, apenas uma inquietação que se transforma em obsessão prática: levantar dinheiro, negociar favores, constranger quem for preciso.

Comunidade, conflito e fé sem verniz

O motor dramático do filme não está na doença de Michelle, embora ela seja o eixo da urgência narrativa, mas na maneira como Sharon mobiliza a cidade ao redor dessa família. Rifas, eventos improvisados, pressão direta sobre autoridades locais e empresários formam um retrato curioso de solidariedade comunitária que não nasce da pureza, mas da insistência. Sharon age como quem não aceita a lógica de que alguns destinos estão selados por falta de recursos.

Há um discurso político discreto, porém firme, atravessando o roteiro. O sistema de saúde americano aparece não como vilão abstrato, mas como um mecanismo indiferente, incapaz de acolher quem trabalha duro e ainda assim fica à margem. O filme não grita slogans, mas deixa claro que a salvação de Michelle depende menos da benevolência institucional e mais da capacidade de organização coletiva. É uma fé que não se apoia em milagres, e sim em gente comum fazendo mais do que gostaria.

Hilary Swank constrói Sharon com aspereza calculada. Sua personagem tropeça, erra abordagens, invade espaços alheios e, ainda assim, permanece impossível de ignorar. Alan Ritchson, por sua vez, abandona qualquer traço de heroísmo físico para viver um homem esmagado pela responsabilidade, cuja fragilidade se revela nos silêncios e na dificuldade de aceitar ajuda.

Um final que aposta no humano

O clímax, ambientado em meio a uma tempestade de inverno, poderia facilmente descambar para o exagero. O roteiro flerta com esse risco, mas se salva ao manter o foco nas pequenas ações coordenadas por Sharon e na cadeia de pessoas dispostas a colaborar. Não há promessa de transformação total, nem redenções completas. Sharon não se torna outra pessoa da noite para o dia, Ed não resolve todos os seus problemas e a vida segue exigindo concessões.

“Uma Vida de Esperança” funciona justamente por entender que gestos de generosidade não apagam falhas anteriores. Eles apenas criam brechas. E, às vezes, uma brecha é tudo o que separa uma tragédia anunciada da chance concreta de continuar vivendo.

Filme: Uma Vida de Esperança
Diretor: Jon Gunn
Ano: 2024
Gênero: Biografia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★