Não raro, o cinema associa o amor a uma ideia de resistência, uma força capaz de desafiar modelos e expor contradições. Comum nos filmes franceses, o realismo joga luz sobre os confrontos do indivíduo para muito além do sentimento amoroso, revelando assim desejos ocultos, silêncios que gritam, violências tácitas, infelicidades. Personagens descobrem que amar implica enfrentar preconceitos velados e explícitos, sem garantia alguma de felicidade ou só prazer, sensações que avançam pelas frestas do tal sistema. A luta de classes está até nos afetos, mas não é só disso que trata “Um Amor Impossível”, um drama de família sobre duas mulheres cujos destinos são marcados por um homem. Catherine Corsini urde um conto de abusos e mágoas que atravessam o tempo, sem soluções fáceis ou definitivas no horizonte.
Rachel é o padrão de mulher independente possível para a França dos anos 1950. Judia, secretária e excelente datilógrafa, ela vive com a mãe e a irmã desde que o pai as abandonou ainda crianças, mas seus traumas quanto à negligência parental vêm à tona sempre que algum homem desperta seu interesse. Philippe surge em sua vida de um jeito um tanto misterioso, o que acaba sendo um atrativo extra. Adaptando o romance autobiográfico de Christine Angot, de 2016, Corsini e a corroteirista Laurette Polmanss realçam as diferenças entre os dois nos diálogos em que o bem-apessoado e culto Philippe fala a Rachel acerca de Nietzsche e sua charmosa descrença na humanidade, fazendo questão de deixar claro que não pretende casar-se, nem com ela nem com ninguém. Algum tempo depois, ela engravida. Rachel cria Chantal sozinha, mas Philippe reaparece anos mais tarde, quando a mãe já amargara apuros de dinheiro e as várias e indefectíveis crises da adolescência da garota, mas seu calvário ainda está no começo. A volta do pai de Chantal e do ex-amante de Rachel reacende ódios que supunham resolvidos, de ambas as partes.
Philippe é o mesmo narcisista presunçoso de sempre, ainda mais certo de seu repugnante antissemitismo, e aos poucos mostra-se determinado a uma vingança contra a ex-companheira, cujos motivos só ele sabe. Ponto alto do filme, Virginie Efira capta a essência confusa e de quase nenhum autorrespeito de Rachel, encarnando sua anti-heroína na juventude e na meia-idade graças à impecável caracterização, e abrindo alas para que Niels Schneider e Estelle Lescure e Jehnny Beth, dividindo-se entre a Chantal mais nova e mais velha, também brilhem. Corsini prova que há amores que são malditos.
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