O fenômeno de James Cameron que arrastou 300 milhões aos cinemas voltou à Netflix — e continua absolutamente devastador Divulgação / TriStar Pictures

O fenômeno de James Cameron que arrastou 300 milhões aos cinemas voltou à Netflix — e continua absolutamente devastador

Numa Los Angeles de 1984, uma garçonete leva uma vida tão comum que o atraso em um encontro já parece grande drama, enquanto, em outra parte da cidade, algo cai do céu como se o futuro tivesse furado a madrugada de concreto e néon. A partir desse choque de rotinas, “O Exterminador do Futuro”, dirigido por James Cameron e estrelado por Arnold Schwarzenegger, Linda Hamilton e Michael Biehn, apresenta um confronto seco: impedir que uma máquina assassina enviada de um amanhã devastado mate uma mulher aparentemente banal, cujo filho ainda não nasceu, mas será crucial na guerra entre humanos e sistemas de controle.

Quando o soldado Kyle Reese chega do mesmo futuro arruinado e decide localizar Sarah antes do inimigo, o filme passa a ser guiado por um relógio invisível. O objetivo dele é simples e impossível ao mesmo tempo: mantê-la viva durante uma única noite, longa demais para quem corre, curta demais para quem precisa convencer alguém de que máquinas conscientes já comandam exércitos. A cidade funciona como obstáculo constante; ruas largas, boates, viadutos, tudo está aberto, mas cada espaço exposto aumenta o risco. Reese anda com o medo cravado no rosto, contando segundos entre sirenes e faróis, enquanto o público ajusta a respiração ao ritmo daquela caçada.

Ao mesmo tempo, o ciborgue vivido por Schwarzenegger avança com lógica quase burocrática: localizar, identificar, eliminar. Não há improviso emocional, apenas execução fria de uma missão que veio inscrita em circuitos. A máquina decide checar cada nome igual ao de Sarah em diretórios impressos, e essa escolha produtiva do roteiro, quase administrativa, transforma um detalhe banal de lista telefônica em procedimento letal. A motivação é estratégica, apagar uma liderança antes que ela exista, e o obstáculo é justamente a banalidade: muitas Sarahs, muitos endereços, uma grande cidade. O efeito prático é um clima de contagem regressiva espalhado por vários pontos, um futuro inteiro pendurado no fio de uma coincidência de endereço.

À medida que Reese consegue se aproximar de Sarah e explicar, aos pedaços, quem ele é e por que veio, o filme passa a alternar presente e lembranças do futuro. Essa alternância não serve como adorno; ela redefine prioridades a cada retorno. O futuro não aparece como profecia abstrata, mas como resíduo físico, ou melhor, como cicatriz que atravessa o presente de Reese, nos músculos tensos, no olhar que reconhece todo corredor escuro como ameaça. Cada relato de batalha robótica justifica uma nova decisão imediata: roubar um carro, abandonar o abrigo anterior, improvisar proteção. A polícia, que deveria ser aliada, vira mais um obstáculo institucional, ocupando tempo de explicação que o casal não tem, atrasando a corrida contra o exterminador.

Há um momento em que a narrativa se concentra em corredores. Corredores de delegacia, de hospital, de fábrica, todos estreitos, todos cheios de portas que não ajudam. As personagens decidem se enfiar nesses túneis porque imaginam segurança, controle, paredes firmes. Encontram o oposto: linhas retas que canalizam o inimigo diretamente até eles. O ciborgue caminha sem pressa, rompendo limites físicos que deveriam conter qualquer homem, e cada passo avança o relógio interno da história. Quanto mais tentam se esconder atrás de vidro, metal, ficha, formulário, mais expostos ficam. A cidade moderna, com sua burocracia e seus arquivos, não protege ninguém de um corpo programado para atravessar tudo.

Em certo ponto, Cameron acelera o filme até um regime quase exaustivo de perseguições consecutivas. Carro, moto, corredor, escada. Poucas pausas. Frases curtas. Respiração curta. Ele corre. Ela cai. Ele ajuda. Ela hesita. O obstáculo muda de forma, mas não sai de cena. É a polícia, são cidadãos assustados, é o trânsito pesado, é o próprio medo de Sarah, que precisa decidir se confia naquele homem estranho que fala em guerras futuras enquanto aponta armas e indica rotas de fuga por becos pouco iluminados. A trilha de Brad Fiedel, com batidas metálicas e repetitivas, acerta o ouvido como martelo insistente, lembrando que a máquina não descansa, não negocia, não se distrai.

Quando a perseguição abandona as ruas e entra em um ambiente industrial, com máquinas ligadas, fumaça constante e luzes intermitentes, o filme alcança seu ponto de maior risco concreto. Sarah está ferida, Reese está quase esgotado, e o exterminador perdeu parte da cobertura humana, revelando o esqueleto metálico que condensa toda a ideia de futuro hostil. A decisão ali é brutal e sem glamour: usar o que houver ao alcance, ignorar a própria integridade física, transformar o espaço de trabalho em armadilha improvisada. Cada porta de metal trancada ganha alguns segundos, cada queda aumenta o dano, e a consequência imediata de qualquer erro é a morte certa, sem negociação, num corredor onde não há testemunhas nem reforço.

Depois que o barulho cessa, o que permanece é a imagem de uma mulher obrigada a crescer anos em poucos dias, carregando no corpo a lembrança de carros em chamas, sirenes, corredores destruídos. “O Exterminador do Futuro” se mantém relevante justamente porque ancora sua ficção científica na materialidade dos anos 80, nas roupas baratas, nos carros robustos, na arquitetura sem charme, e nesses detalhes constrói uma consciência incômoda de que a tecnologia que hoje parece neutra pode, de repente, ganhar vontade própria. Quem sai da sessão talvez ainda ouça o tema eletrônico ecoando no fundo da cabeça, misturado ao som real do trânsito, e olhe uma porta automática de supermercado com desconfiança ligeiramente diferente.

Filme: O Exterminador do Futuro
Diretor: James Cameron
Ano: 1984
Gênero: Ação/Aventura/Ficção Científica
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★