100 minutos de gargalhadas: a comédia da Netflix que continua irresistível Divulgação / Paramount Pictures

100 minutos de gargalhadas: a comédia da Netflix que continua irresistível

Um homem comum, satisfeito com a ideia de ter encontrado a parceira certa, precipita o casamento e embarca numa lua de mel ensolarada. Dias depois, quando o encanto se desfaz, ele percebe que confundiu impulso com afinidade e direciona o olhar para outra mulher que cruza seu caminho. É a partir desse desencontro que “Antes Só do que Mal Casado” conduz sua comédia, apoiando-se em quiproquós, confissões pela metade e pequenas omissões que crescem a cada conversa. A produção traz Ben Stiller como o noivo indeciso, Malin Akerman como a recém-esposa expansiva e Michelle Monaghan como a nova paixão, sob direção de Peter Farrelly e Bobby Farrelly, que investem em ritmo ágil e humor físico.

Lançado como refilmagem do longa de 1972 dirigido por Elaine May, o filme conversa com tradições da comédia americana sobre compromisso e autoengano, sem reproduzir o tom mais seco da versão setentista. A atualização aposta em situações corporais e em diálogos rápidos para expor a distância entre o que se projeta de um relacionamento e o que se sustenta no convívio. O protagonista de Stiller não é um vilão calculista, mas alguém que escolhe o atalho mais confortável sempre que a realidade o obriga a assumir consequências. Essa covardia cotidiana alimenta a cadeia de mentiras que move a narrativa, acentuando o humor e a tensão sentimental.

Akerman, em registro destemido, transforma a esposa em motor de caos e afeto. A personagem fala alto, age por impulso e, ao mesmo tempo, demonstra carinho genuíno pelo marido, o que reforça a ambiguidade do laço. Monaghan, por sua vez, oferece contraponto de leveza e atenção, fazendo a nova possibilidade sentimental parecer uma saída simples. A graça está em perceber que não existe solução mágica: a suposta perfeição da segunda chance depende da sinceridade que o protagonista evita desde o primeiro minuto. Quando cada desculpa improvisada ganha mais um desdobramento de complicações, o filme destaca como o medo de confrontar desejos e limites produz catástrofes domésticas.

Os irmãos Farrelly constroem as cenas com uma cadência que privilegia o desconforto. Queimaduras de sol, tropeços verbais e situações constrangedoras funcionam como gatilhos para evidenciar incompatibilidades. Mais do que acumular gags, a direção insiste em mostrar como pequenas escolhas sem coragem desembocam em problemas maiores. O humor físico, marca da dupla, às vezes flerta com exageros que podem cansar, mas serve a um objetivo claro: tornar visível o abismo entre fantasia e convivência. Quando o riso cede espaço à hesitação, a história revela a corda bamba emocional em que o protagonista tenta se equilibrar.

A fotografia luminosa e os cenários de resort produzem um contraste útil com o dilema central. Entre praias e piscinas, a paisagem promete descanso, mas o que se vê é um labirinto de justificativas improvisadas. A montagem favorece a aceleração dos mal-entendidos, como se cada nova tentativa de manter as aparências empurrasse o personagem para um beco mais estreito. Nesse contexto, Stiller trabalha bem a passividade ativa do papel: ele reage, tenta corrigir rotas, mas escolhe atalhos que exigem mais disfarces. O resultado é um retrato de indecisão que provoca riso e incômodo, pois reconhece um traço recorrente das relações modernas.

O roteiro lança perguntas diretas sobre compatibilidade e pressa. Um casamento pode sobreviver quando nasce de medo de solidão? É possível sustentar uma paixão nascente se ela se apoia em uma mentira inaugural? A cada tentativa de resposta, a narrativa adiciona consequências palpáveis, sem precisar revelar destinos definitivos. Ao se concentrar no presente dos personagens, o filme evita soluções fáceis. O triângulo amoroso, embora previsível em sua configuração, ganha frescor pela disposição de encarar a imaturidade do protagonista sem blindagens elogiosas.

Há momentos em que a comicidade escorrega para o incômodo gratuito, com piadas que miram alvos fáceis ou intensificam caricaturas. Mesmo assim, o filme se beneficia do elenco afinado. Akerman mostra energia e timing, afastando a figura da esposa do estereótipo unidimensional. Monaghan equilibra doçura e firmeza, impedindo que a nova paixão vire miragem sem contorno. Stiller conduz a jornada do autoengano com expressões discretas e explosões calculadas, compondo uma figura que pede simpatia mas não escapa do julgamento que suas atitudes convocam.

A trilha sonora sublinha o descompasso entre expectativa e experiência, reforçando a impressão de que cada avanço romântico carrega um custo emocional. As escolhas de cenário e figurino sugerem férias intermináveis, o que sublinha a recusa do protagonista em lidar com a rotina. Essa recusa, por sua vez, alimenta a crise que o filme acompanha, já que toda promessa de permanência exige enfrentamento de defeitos e limites. A comédia nasce do atrito entre imagem e realidade, e a narrativa se sustenta enquanto esse conflito permanece vivo.

Como reflexão sobre o amor idealizado, “Antes Só do que Mal Casado” prefere o desconforto ao consolo. Quando parece apontar uma saída romântica, o enredo lembra que promessas só duram quando encontram caráter. A direção mantém a história concentrada nas consequências imediatas das escolhas, sem distribuir moral pronta. Em vez de louvar encontros predestinados, a produção expõe o preço das decisões tomadas para agradar expectativas alheias. A dúvida que resta é simples e persistente: o protagonista será capaz de abandonar a fantasia do começo eterno em nome de uma vida adulta honesta?

Filme: Antes Só do que Mal Casado
Diretor: Bobby Farrelly e Peter Farrelly
Ano: 2007
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★