Para Machado de Assis, a literatura e a política caminhavam de mãos entrelaçadas, formando uma dupla de glória e altruísmo em meio aos percalços de seu tempo. A política elevava a inteligência humana, faria pensar; e a literatura, com sua eloquência, inspirava a busca pela libertação do próprio eu.
Ao comentar as odes de José Bonifácio, Machado não apenas revela sua admiração pela poesia bem construída, mas também deixa entrever uma crítica delicada à distância entre a arte literária e o povo. A poesia tem, sim, beleza, força e elevação — mas, infelizmente, não alcança o lavrador, o operário, o cidadão comum, justamente porque lhes falta o acesso à educação que permitiria compreendê-la.
O grito do Ipiranga, que marcou nossa emancipação política, foi um “Eureka!”, solto dos lábios daqueles que, de fato, sentiam profundo interesse pelo Brasil. Foi uma conquista honrosa, que deve nos encher de glória e orgulho; mais que tudo, foi uma resposta eloquente às interrogações pedantes de meia dúzia de céticos: “O que somos nós?”
Comece o avanço político, deveria vir também o avanço literário. E então ecoa o questionamento de um homem que via além do seu tempo: “É mais fácil regenerar uma nação do que uma literatura”. Por que essa fala antiga é tão atual? Porque o homem, ontem como hoje, vive preocupado com a revolução materialista.
Estamos em meio a uma sociedade que se orgulha de seus avanços tecnológicos, de seus números crescentes, de suas máquinas cada vez mais velozes — mas que, em troca disso, tem deixado a literatura esquecida num canto empoeirado. A busca incessante pelo sucesso imediato e pelo consumo constante acabou por ofuscar o valor das palavras, das ideias, da reflexão. O livro, que já foi símbolo de prestígio e de formação do pensamento, hoje disputa espaço com o ruído das redes, com o efêmero, com a pressa de tudo.
Essa inversão de valores, que Machado já denunciava no século 19, permanece viva: o talento literário, se não estiver atrelado a alguma utilidade prática ou à fama instantânea, é visto como supérfluo. A literatura, que deveria iluminar consciências e inquietar os espíritos, foi reduzida a um passatempo para poucos. Enquanto o progresso material avança a passos largos, a sensibilidade estética e o espírito crítico vão ficando para trás — e, com eles, vai também a humanidade que a arte revela.
O que chega às camadas populares não é a poesia em si, mas a imagem do autor transformada em figura política. Machado acreditava no poder transformador da literatura, mas fazia questão de dizer que, sem a democratização do conhecimento, ela permanece privilégio de poucos. Essa realidade do século 19 ainda reverbera hoje: seguimos celebrando nomes, muitas vezes sem compreender suas obras, enquanto a base educacional segue falha e insuficiente para tornar a arte acessível de verdade. Levar poesia ao povo é, antes de tudo, levar educação. O que precisamos hoje no Brasil é um golpe de estado literário.
Escrever sobre Machado de Assis nunca é tarefa fácil. Afinal, estamos falando de um dos maiores gênios da literatura brasileira. Testemunha dos principais acontecimentos do Brasil em seu tempo — o fim do Império, a abolição da escravatura, a Proclamação da República —, Machado transformou tudo isso em matéria-prima.
Rui Barbosa chegou a descrevê-lo como um exemplo de pureza, temperança e doçura. E não estava errado. Forte também era a presença do cotidiano em sua escrita: o Rio de Janeiro surgia com seus morros, igrejas, ruas, tipos humanos e contrastes. A cidade viva dentro de seus textos, refletida com a sutileza de quem nos conhece.
Machado, homem negro e de origem humilde, alcançou um lugar de prestígio em uma sociedade que recentemente abrira espaço para alguém como ele. Mesmo assim, tornou-se referência e inspiração para nomes como Olavo Bilac, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros.
É triste perceber que, ainda hoje, muitos brasileiros não o conhecem, nem jamais leram uma de suas obras. Isso deveria ser parte essencial da formação escolar e universitária. Um nome como o de Machado de Assis não pode, nem deve ser esquecido. E, se depender de quem ainda sabe dar valor à sua importância, ele seguirá vivo — na literatura e na memória do nosso país.