Há quem diga que a vida é curta demais para perder tempo com livros ruins — e nós concordamos, com a devida elegância de quem já sobreviveu a um romance russo de 900 páginas e ainda teve forças para sorrir. No entanto, a questão mais difícil não é fugir dos livros ruins, mas escolher, entre milhões de títulos, aqueles poucos e brilhantes volumes que realmente fazem diferença. Afinal, entre um manual de airfryer e a nova febre literária do TikTok, há uma distância abissal. Pensando nisso, preparamos uma lista que não tem a pretensão de ser definitiva (porque sempre vai aparecer alguém dizendo que faltou Proust ou que Machado de Assis deveria estar em primeiro lugar), mas que, com algum humor e muita honestidade, aponta sete obras que expandem horizontes, bagunçam certezas e, com sorte, ajudam você a entender um pouquinho melhor essa comédia dramática chamada existência.
Ler um grande livro é um pouco como entrar em uma conversa que começou muito antes de você nascer e que provavelmente continuará depois que você se for. É aceitar que algumas perguntas não têm resposta, mas mesmo assim valem a pena ser feitas. E, sejamos francos, quem nunca precisou daquela dose de desconforto existencial elegante, só para variar da rotina de boletos e séries medíocres? É claro que nenhuma lista pode esgotar o repertório infinito da boa literatura, mas estes sete títulos têm algo em comum: provocam, inquietam, encantam e, pasme, divertem, mesmo quando tratam de temas sombrios. Porque, no fundo, a literatura é isso: um parque de diversões um pouco melancólico, onde rimos e choramos sabendo que a vida, apesar de tudo, continua absurda e maravilhosa.
E não se preocupe se você ainda não leu nenhum dos livros da lista. Esta não é uma competição intelectual e muito menos um concurso de ostentação literária no Instagram. Aqui, a proposta é simples e humana: recomendar obras que carregam uma sabedoria difícil de encontrar nos manuais de autoajuda e nos guias de “como ser feliz em 5 passos”. São livros que atravessaram gerações, guerras, crises econômicas e modismos passageiros, e que ainda assim seguem conversando com leitores dos cantos mais diversos do mundo. Então respire fundo, abra espaço na estante (ou no Kindle, não sejamos elitistas) e prepare-se para mergulhar em histórias que têm tudo para mudar a forma como você vê o mundo, ou, pelo menos, para render boas conversas no próximo jantar entre amigos.

Nesta obra monumental, Gabriel García Márquez cria o mítico vilarejo de Macondo e narra, com lirismo e ironia, a trajetória trágica e fascinante da família Buendía, marcada por paixões arrebatadoras, profecias esquecidas e um destino inevitável de solidão. Ao longo de sete gerações, assistimos à ascensão e ao declínio não apenas de uma linhagem, mas de um mundo inteiro, onde o real e o fantástico se misturam sem fronteiras claras. A cada página, o leitor mergulha em um universo exuberante, repleto de personagens excêntricos, guerras civis intermináveis, amores incestuosos e invenções mirabolantes, que espelham as contradições da América Latina. Mais do que um romance histórico ou familiar, “Cem Anos de Solidão” é uma verdadeira enciclopédia do imaginário humano, onde o mágico e o cotidiano coexistem com naturalidade, e onde o tempo parece girar em círculos, condenando os Buendía, e talvez todos nós, a repetir eternamente os mesmos erros.

Neste romance monumental, Guimarães Rosa cria um sertão que não é apenas geográfico, mas existencial e metafísico, onde o jagunço Riobaldo percorre, em forma de confissão e memória, uma travessia marcada pela dúvida, pela paixão e pela busca de sentido. Em meio a batalhas sangrentas, pactos diabólicos e dilemas éticos, Riobaldo narra sua história de amor e amizade com Diadorim, personagem que encarna o mistério do ser e do não-ser, da coragem e da ternura, da beleza e do temor. Mais do que um simples relato de cangaço e violência, “Grande Sertão: Veredas” é uma “autobiografia irracional”, onde o sertão torna-se símbolo da alma humana em luta com seus próprios demônios e enigmas. Com uma linguagem inventiva, poética e profundamente brasileira, Rosa transforma o português em matéria viva e vibrante, criando um romance que transcende as fronteiras regionais e se estabelece como uma das obras mais complexas e universais da literatura do século 20.

Ambientado na Dublin do início do século 20, Ulisses narra, ao longo de um único dia, 16 de junho de 1904, as andanças de Leopold Bloom e Stephen Dedalus por uma cidade que pulsa com vida, conflitos e contradições. Inspirado livremente na Odisseia, de Homero, o romance transforma Bloom em um herói moderno e improvável, cujos obstáculos não são monstros marinhos ou deuses coléricos, mas situações banais e, ao mesmo tempo, profundamente humanas: a rotina, a infidelidade, a solidão, o desejo e a busca por sentido. A jornada termina com o retorno à rua Eccles, onde Molly Bloom, em um dos monólogos mais célebres da literatura, encerra o dia com uma reflexão sobre amor e liberdade. Joyce constrói um verdadeiro caleidoscópio de estilos narrativos e referências culturais, brincando com as formas da linguagem e criando um romance que, ainda hoje, desafia e fascina leitores ao redor do mundo. É uma celebração da vida em toda a sua complexidade, beleza e absurdo.

Neste clássico incontornável da literatura mundial, Dostoiévski conduz o leitor pelas ruas sombrias e sufocantes de São Petersburgo, onde acompanhamos a perturbadora jornada de Raskólnikov, um jovem estudante de Direito que, esmagado pela pobreza e por ideias grandiosas, decide cometer um assassinato. O crime, no entanto, não lhe traz o alívio esperado. Em vez disso, inicia um mergulho angustiante na culpa e no tormento moral, revelando as fissuras de uma mente em conflito com a própria humanidade. Raskólnikov, cético e arrogante, tenta justificar seu ato com teorias filosóficas que o colocariam acima da moral comum, mas é confrontado pela dureza da própria consciência e pela imprevisível compaixão de figuras que cruzam seu caminho. Mais do que um romance policial ou psicológico, “Crime e Castigo” é uma implacável investigação sobre o bem e o mal, a fé e o vazio, a redenção e a queda, onde cada personagem carrega dilemas existenciais que atravessam séculos e fronteiras.

Narrado pelo enigmático Ismael, “Moby Dick” acompanha a trágica e grandiosa jornada do capitão Ahab, um homem consumido por um desejo de vingança que transcende a lógica e a razão. Obcecado pela caça à colossal baleia branca que lhe arrancou a perna, Ahab comanda o baleeiro Pequod e sua tripulação multicultural em uma travessia que não é apenas marítima, mas também filosófica e espiritual. A cada capítulo, Melville mistura aventuras náuticas, reflexões sobre o destino humano e extensas digressões sobre a natureza, a religião e a obsessão, criando um romance que desafia definições fáceis. Moby Dick, a baleia que resiste à morte e ao domínio humano, torna-se um símbolo multifacetado: ora divino, ora demoníaco, ora simplesmente inatingível. Mais do que um épico da caça, Moby Dick é um mergulho vertiginoso nas profundezas da alma humana, onde a busca por sentido e controle pode levar tanto à grandeza quanto à destruição.

Considerado um dos pilares da literatura ocidental, “Dom Quixote” combina humor refinado, melancolia existencial e um olhar crítico sobre o mundo e suas ilusões. Na história, acompanhamos Alonso Quijano, um fidalgo espanhol que, tomado pela leitura obsessiva de romances de cavalaria, decide reinventar-se como Dom Quixote, um cavaleiro andante disposto a defender os fracos e combater as injustiças do mundo. Armado com uma armadura velha e montado em seu cavalo Rocinante, ele parte em busca de aventuras, acompanhado por Sancho Pança, um escudeiro pragmático e bem-humorado. O que poderia ser apenas uma sátira da literatura cavalheiresca transforma-se, nas mãos de Cervantes, em uma reflexão atemporal sobre a tênue fronteira entre idealismo e loucura, sonho e realidade, derrota e perseverança. Dom Quixote, perdido em suas ilusões, nos convida a rir e a refletir sobre o valor da imaginação e da coragem, mesmo quando tudo ao redor insiste em chamar isso de delírio.

Em uma Dinamarca mergulhada em intrigas e desconfianças, o jovem príncipe Hamlet é lançado em um dilema moral e existencial quando o fantasma de seu pai revela que foi assassinado pelo próprio irmão, agora rei e esposo de sua viúva. Dividido entre a sede de vingança e a dúvida corrosiva sobre a natureza humana, Hamlet concebe um plano: fingir-se de louco para investigar a verdade e preparar seu ajuste de contas. No entanto, o que começa como um artifício estratégico logo se transforma em uma espiral de caos, onde razão e insanidade, verdade e disfarce, justiça e violência se confundem. Em meio a reflexões filosóficas inesquecíveis e momentos de tragédia profunda, Shakespeare constrói um retrato atemporal da fragilidade humana diante da morte, do poder e da própria consciência. “Hamlet” é, mais do que um drama de vingança, uma investigação angustiante sobre o sentido da vida e os limites da ação num mundo governado pela dúvida.