Morre Régis Bonvicino, um dos maiores poetas brasileiros contemporâneos, aos 70 anos

Morre Régis Bonvicino, um dos maiores poetas brasileiros contemporâneos, aos 70 anos

Régis Bonvicino (1955-2025) era um grande poeta. Aquele tipo de poeta que carrega o mundo poético em si — as leituras, influências e desinfluências — e propõe um novo caminho. Que, a rigor, nunca é novo, mas também não é inteiramente velho.

Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Décio Pignatari, Haroldo de Campos — mais do que Augusto de Campos —, T. S. Eliot, Jules Laforgue, Oliverio Girondo, e tantos outros “aparecem” na poesia de Régis Bonvicino — como presenças reais e fantasmais. Mas há um Régis Bonvicino único, original. Um Régis Bonvicino que buscou outros para ser ele mesmo.

Mesmo aos 70 anos, com uma obra sólida — portanto, construída e, assim, passível de ser analisada (Alcir Pécora o percebia bem) —, Régis Bonvicino era um poeta em construção. Porque não parava de reinventar a si e ao mundo.

Sua percepção da fragmentação do mundo — o que às vezes o torna incompreensível — era, para usar uma terminologia imprecisa, era mediúnica. Era uma ressonância magnética em formato de palavras. Uma antropologia poética. Mais do que uma sociologia em versos.

Como a morte de Régis Bonvicino, no sábado, 5, aos 70 anos — num momento em que esbanjava lucidez poética e crítica —, sua obra está praticamente fechada, à espera de exames críticos do conjunto.

Pode ser que existam inéditos, mas a obra está edificada — com uma arquitetura tão bela quando, pelas curvas, surpreendente.

Pode-se falar que Régis Bonvicino é um poeta mutante… de um livro para o outro? Talvez sim. Talvez não.

Porque havia uma espécie de “unidade” — um “deslumbre” (um olhar de viés para perceber as filigranas) crítico com os avessos e agruras do mundo — em sua obra. Uma firmeza no itinerário.

Mas parece evidente que se tornou mais poeta — e mais livre — ao ter se livrado da, exageremos, camisa de força do concretismo. Com a liberdade, o poeta nasceu ou, melhor, renasceu. Se tornou mais Régis Bonvicino… e não epígono de alguns outros.

Dada sua imensa liberdade criativa, ao ser avaliado, para ser colocado na história da poesia brasileira, Régis Bonvicino certamente ganhará um lugar autônomo — e não como “filho de fulano ou sicrano”.

Entre Carlos Drummond de Andrade e João Cabral, poetas magnos do país de Yêda Schmaltz — poeta a ser descoberta pela nação de Edival Lourenço, Pio Vargas e Carlos Willian Leite (sua poesia recente, inédita, é de uma beleza que esmaga) —, há um espaço independente para Régis Bonvicino. Um lugar seu. Não de seguidor, mas de poeta que abria novas rotas para as Índias poéticas.

A percepção de Pasolini como intérprete do mundo

Durante anos dialoguei com Régis Bonvicino pelo in box do Facebook, inclusive sobre suicídio: o de sua filha Bruna (um dos acontecimentos mais dolorosos de sua vida) e o de minha irmã Eliana. Publiquei textos sobre sua inventiva obra poética no Jornal Opção. Ele sempre agradecia.

Claudio Leal publicou, na “Folha de S. Paulo” (por sinal, o bardo paulistano era respeitado por Otavinho Frias, o falecido diretor de redação do jornal), um belo texto sobre Régis Bonvicino.

“No domingo, 29, o poeta caiu na esquina de seu hotel em Roma. Desorientado com a queda, que feriu sua cabeça, ele foi levado de ambulância para a enfermaria de um hospital, onde permaneceu quatro dias até ser transferido para a unidade intensiva. Morreu na manhã deste sábado, 5 de julho. Sua esposa [a psicanalista] Darly Menconi, o acompanhava na viagem”, relata Claudio Leal. O poeta deixa três filhos.

No final de junho, Régis Bonvicino convocou a família e disse: “Chega! Cansei do efêmero. Vamos para Roma” — a cidade eterna. “Ele pretendia percorrer os lugares associados aos diretores italianos Roberto Rosselini e Pier Paolo Pasolini”, conta Claudio Leal.

“Hoje, prefiro ver os filmes de Fellini, Antonioni e Rosselini do que ler poesia”, disse Régis Bonvicino a Claudio Leal (um dos grandes conhecedores da poesia concreta e da poesia dos pós-concretos, como Régis Bonvicino).

“Considero Pasolini uma coisa profética. Não entendo como ele intuía aquilo. Ele previu tudo, previu esse desastre”, disse Régis Bonvicino. Claudio Leal amplia o entendimento do que afirma o bardo: “Pasolini era um nome recorrente em suas últimas conversas, inspirador pela crítica ao fascismo da sociedade de consumo e ao inofensivo consumo do antifascismo em países capitalistas”.

As guerras na Ucrânia, na Faixa de Gaza e no Irã tiravam o sono do poeta — uma antena que captava as vibrações globais. A Cracolândia também o preocupava.

“‘Do que se trata’, seu último poema, concluído no mês passado, desintegrava ainda mais os cacos.” Por certo, o poema, assim como outros de sua autoria, buscava tanto entender quanto criticar o caos do universo, porque o mundo, ainda que seja diverso, se tornou muito parecido… quase igual. Caótico em qualquer lugar e, mesmo em sua feiura (e terrível), sempre belo.

Registra o poema “Do que se trata”: “Helicópteros sobrevoam o bunker/ Drones carregados de explosivos/ Incêndio, corpos queimados/ Uma coluna de fumaça/ Se confunde com as nuvens/ O pássaro faz uma rasante/ Diabos de todos os tipos/ Uma tenda ao lado da igreja/ O carrasco dizia:/ ‘O imperador Maximiliano/ Quando avistava uma forca/ tirava-lhe o chapéu’”.

No livro “Sósia da Cópia”, o poeta assinala: “Não há saídas/ Só ruas viadutos avenidas”. A falta de vírgulas nos diz: é tudo a mesma coisa — as saídas acabaram. Ou nunca existiram.

No último livro, “A Nova Utopia”, capta o mundo contemporâneo com sua linguagem precisa: “Um rato dilacerado na pista/ Sacos de lixo abertos pela chuva:/ Não é o cúmulo, é apenas acúmulo,/ Um trovão detona a nuvem/ O que está no poema não está no mundo”.

Talvez a beleza da linguagem de Régis Bonvicino — seu refinamento contido, preciso e sem arestas — escape à feiura do mundo.

Régis Bonvicino era poeta, tradutor (é magnífica sua tradução de um livro de Oliverio Girondo, “A Pupila do Zero en la Masmédula”, Editora Iluminuras, 173 páginas; traduziu também Jules Laforgue e Douglas Messerli) e havia se aposentado como magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Ele foi editor da “Sibila”, que publicou excelentes ensaios. Régis Bonvicino era um dos refinados críticos de poesia do Brasil.

4 poemas de Régis Bonvicino

Euler de França Belém

É jornalista e historiador.