Ser adulto faz-nos passar a vida tomando decisões, e em muitos casos, há que se fazer escolhas draconianas, quase sufocantes, que acabam por definir, ainda que não se queira, o papel que cada um vai exercer. Evan McCauley, um homem aparentemente comum, é, na verdade, um guerreiro reencarnado preso numa contenda para salvar a humanidade que atravessa os séculos. O pulo do gato em “Infinito” é fazer com que o espectador acredite que a jornada de McCauley é uma sucessão de acasos, o que acontece sem nenhuma dificuldade, já que essa é, basicamente, a história de qualquer um. Partindo de suas fraquezas, esse sujeito atormentado pode tornar-se uma figura mítica ou resistir, encarniçado na dúvida de que algum mistério caviloso integre sua essência. A direção rigorosa de Antoine Fuqua e a inventiva adaptação de Ian Shorr e Todd Stein para “The Reincarnationist Papers” (“os documentos reencarnacionistas”, em tradução literal), romance de D. Eric Maikranz publicado em 2009, miram seu anti-herói sem trégua, e Mark Wahlberg, novamente muito à vontade na pele de um tipo a um só tempo complexo e simplório, rude e delicado, encarna a graça mesma do filme, em especial quando começa a deixar claro que o protagonista não passa de mais um dos ingênuos ludibriados por gente muito perigosa e cheia de intenções pouco elevadas.
Os tais infinitos são capazes de lembrar de todas as suas vidas passadas. Crentes, os que consideram suas habilidades como um dom a ser usado para o bem, e niilistas, aqueles que se veem como uma vítima da reencarnação, verdadeira peste a infernizá-los das mais diversas maneiras, travam uma guerra para saber qual dos dois grupos tem razão. McCauley sofre com visões que não consegue explicar, e sem pressa, bem a seu modo, Fuqua dá indícios quanto às outras passagens terrenas de seu protagonista. O arco central da narrativa gira em torno da urgência de McCauley quanto a lembrar quem é e impedir que Bathurst, o vilão niilista, interrompa os ciclos usando uma poderosa arma, capaz de acabar de uma vez por todas com a reencarnação. Malgrado não contracenem tanto, Mark Wahlberg e Chiwetel Ejiofor disputam palmo a palmo a preferência de quem assiste, num andamento meio episódico de série, mas que funciona. O diretor recorre a trabalhos de sua própria lavra a exemplo de “Atirador” (2007), e “The Old Guard” (2020), o badalado thriller pós-apocalíptico de Gina Prince-Bythewood, almejando tecer um panorama o mais amplo possível dos delírios, inclusive geográficos, de McCauley, da Cidade do México a Nova York, dispondo da fotografia de Mauro Fiore, que colore tudo com um alaranjado esmaecido. E a estética aqui conta bastante.
★★★★★★★★★★