Má notícia para mim, que nunca tinha pisado na Europa. Não vou ficar me gabando por, finalmente, ter conhecido Paris. Sou fraco em vaidades. E tenho plena consciência de que isso, viajar para fora do país, é privilégio para poucos brasileiros, ainda mais num cenário econômico e cambial extremamente desfavorável. Agora, no momento em que escrevo essa crônica, são necessários 6,5 reais para se comprar 1 euro. Quer dizer, só rico, doido ou abnegado para enfrentar uma viagem até a França, num contexto tão inóspito. Não sou rico, nem sou doido. Mas, me encaixo perfeitamente bem no perfil de brasileiro abnegado que juntou reservas o bastante, durante décadas, para finalmente viajar para o “estrangeiro”, às vésperas de completar 60 anos. Tive justas prerrogativas para cometer essa extravagância.
Relato, portanto, a quem interessar possa, as minhas rápidas impressões a respeito da experiência como turista em Paris, provavelmente, a cidade mais visitada do planeta. Não. Não vou dar um Google para confirmar se essa informação está 100% correta. Antes de conhecer a Cidade da Luz, assaltei um banco — no sentido figurado, gente, tenha santa paciência! — e fugi com a família dentro de um trem da Eurostar, com destino à Inglaterra, onde permanecemos por apenas quatro dias, antes que as libras esterlinas evaporassem, tempo suficiente para conhecer os principais pontos turísticos de Londres e, claro, me refestelar no berço dos Beatles, em Liverpool.
Aliás, que cidade encantadora é Liverpool, apesar das gaivotas e seus intestinos irritáveis. Fosse eu um lorde, era ali que eu morava. Eu tinha a equivocada expectativa de que Liverpool, uma antiga e importante cidade portuária, bombardeada pelos nazistas, fosse minúscula, feiosa e encardida. Fiquei impressionado com a limpeza e com o visual arquitetônico da cidade.
A família teve que me tolerar. Desfrutei de tudo o que estava previsto num pacote para beatlemaníacos: as casas onde viveram Paul, John, Ringo, George e Brian Epstein, por muitos considerado o quinto beatle. Visitei Strawberry Fields, Penny Lane, o Museu The Beatles Story e, óbvio, o icônico Cavern Club, um pub escuro, abafado e insalubre onde a banda tocou, nos primórdios dos anos 1960, antes de ser catapultada ao estrelato. Não posso suavizar o meu escalafobético comportamento na Inglaterra: sentia-me uma criança dentro de uma loja de doces.
De volta a Londres, antes mesmo de fazer a tradicional foto atravessando a faixa de pedestres da Abbey Road, escapei de um atropelamento e aprendi que no Reino Unido cada motorista tem uma buzina enfiada no rabo e se toma água pura diretamente das torneiras. Trânsito nervoso, água duvidosa, foi uma difícil quebra de paradigmas para um caipira. Só pensava em tomar uma caixa de Annita quando chegasse ao Brasil. Constatei também que o povo inglês é cortês e não joga lixo no chão. Há uma infinidade, um verdadeiro emaranhado de linhas de trem, metrô e ônibus — sim, aqueles ônibus vermelhos, de dois andares, que seguem, rigorosamente, os cronogramas de embarque e desembarque, fazendo jus à fama mundial da pontualidade britânica.
Outra constatação que me agradou foi descobrir que o londrino adora cerveja, apesar do clima frio na maior parte do ano. Foi mesmo uma pena eu não ter me embriagado em Londres. Em média, pelo câmbio atual, pagam-se escandalosos cinquenta reais por uma long neck. A alternativa foi tomar água no bico da torneira e relevar o medo dos germes invisíveis.
Embarcamos de volta a Paris no confortável trem da Eurostar, dentro do túnel construído sob o Canal da Mancha, uma incrível obra de engenharia prodigalizada pela inteligência humana. Paris era tudo o que eu já houvera lido, ouvido e assistido na TV e nos cinemas. Muitas vezes, sentia-me como um personagem de “Meia-noite em Paris”, de Woody Allen. Antes, porém, de decifrar a cidade, fizemos um rápido tour pelo interior da França, um passeio de quatro dias pela região da Normandia e arredores, uma experiência que, sinceramente, não me empolgou muito, a não ser pelo relevante fato histórico das forças aliadas terem aportado ali, no Dia D, durante a Segunda Guerra Mundial.
Extasiante mesmo foi caminhar pelas ruas parisienses e não me deparar com lixeiras. Não me recordo de ter visto sequer um papel de balinha na sarjeta. Uma vez que as ruas estivessem sempre limpas, cheguei à forçosa conclusão de que cada pessoa cuidava do próprio lixo, carregando-o consigo até encontrar um recipiente apropriado onde dispensá-lo. Que luxo. A mesma organização e os mesmos cuidados para receber turistas do mundo inteiro, eu já houvera verificado em Londres. A diferença era que, para qualquer lado que se apontasse o nariz, tudo era história, arte, beleza e suntuosidade.
Sim. Em Paris também se toma água de torneira, numa boa, exceto para os hipocondríacos. Fizemos um passeio padrão. A Champs-Élysées. O Museu do Louvre. A Ponte Alexandre III. O Panteão. A Praça da Bastilha. A Torrei Eiffel. A Galeria Lafaiete. A Livraria Shakespeare and Company. O Palácio de Versalhes. A Basílica de Sacré Coeur. A catedral de Notre-Dame. O Palácios dos Inválidos. O Arco do Triunfo. O Jardim de Luxemburgo. O Rio Sena.
Pela segunda vez na vida, comi um pato. Pato morto, evidentemente. A primeira vez foi na meninice, quando fui obrigado a conter um deles até que o meu velho decepasse o seu pescoço com uma peixeira mal amolada. Foi tenso. Durante o jantar, não suportei mais do que uma mordida naquele familiar pedaço de carne dura e insossa. Em Paris, a situação foi diferente. Assenti ao fato de que era inviável comer uma ave sem arrancar-lhe as penas, então, sem pena alguma do bichinho, degustei o melhor pato de minha vida, um macio e suculento bife retirado do peito do coitadinho, Deus o tenha, amém.
Sim. Nenhum lugar do planeta é tão bom que não mereça ressalvas. Constatei que, a despeito de se tratar de um país do chamado “Primeiro Mundo”, detentor de uma história milenar, existem desigualdade social, miséria, mendicância e os “pick-pockets”, a versão europeia dos batedores de carteiras, delinquentes que praticam furtos de pertences valiosos, em particular, os smartphones, sempre muito visados.
Por meio dos alto-falantes ou dos policiais em ronda, éramos frequentemente alertados sobre o risco dos “pick-pockets”, em todos os lugares, inclusive, dentro das igrejas e dos museus. Essa situação me deixou deveras desalentado, tendo em vista a diferença civilizacional que separa o Brasil dos países europeus. A despeito de tanta riqueza, ainda se defrontava com a injustiça social e com a violência urbana, mesmo que num grau muito menor, em comparação com São Paulo e Rio de janeiro, por exemplo.
Enquanto voava de volta ao Brasil, como parte da estratégia pessoal para evitar um patético ataque de nervos dentro da aeronave, imergi em profundas reflexões sobre o passeio. Apesar de veterano, eu tinha aprendido coisas novas. Usar o espetacular Google Maps, por exemplo. Abastecer eu mesmo o próprio carro, enquanto viajávamos pelo interior da França. Beber água da torneira, com fé e confiança, sem repugnar. Sentia-me feliz com tantos aprendizados, beleza, história, cultura, mas, as comparações com o Brasil foram inevitáveis.
Enquanto nação, é notório que temos muito a evoluir em termos de educação, saúde, segurança pública e cidadania. Vai demorar tempo à beça, mas chegaremos lá. No entanto, riqueza não é tudo. Que o digam os inúmeros segregados que vivem nas ruas e esmolam nos logradouros históricos das encantadoras cidades do velho continente.