O fruto do mar esquecido que virou obsessão em restaurantes de luxo — e custa R$ 600 o quilo

O fruto do mar esquecido que virou obsessão em restaurantes de luxo — e custa R$ 600 o quilo

Durante décadas, ela foi sinônimo de incômodo. Uma criatura espinhosa, indesejada, que se agarrava às pedras e aos pés desavisados dos banhistas no litoral baiano. Era comum ouvir xingamentos seguidos de passos mancos — a pinaúna deixava lembranças pontiagudas. Mas o tempo, às vezes, faz dessas ironias gastronômicas: o que antes era praga marinha, hoje é iguaria de luxo. Sim, o ouriço-do-mar, conhecido localmente por esse nome áspero e quase rude, foi redescoberto — e, em mãos certas, transformado em delicadeza absoluta.

O que se come, na verdade, não é a fruta — embora o termo ainda seja usado de forma quase carinhosa por quem vive do mar. São as ovas. Pequenas, alaranjadas, quase translúcidas. Têm textura cremosa, sabor iodado e delicadamente metálico, algo entre o frescor do oceano e um suspiro ancestral. Em restaurantes como o Manga, em Salvador, ela chega à mesa com reverência: puríssima, sobre pedras de gelo, ou incorporada a pratos que não disfarçam a intenção de provocar silêncio e contemplação. Custa até R$ 600 o quilo. E, estranhamente, parece valer.

A coleta não é simples. Exige mergulho, paciência e resistência às farpas. A extração das ovas demanda habilidade e um quase afeto: um gesto cuidadoso de quem sabe que ali dentro repousa um sabor raro, quase em extinção no imaginário coletivo. É trabalho que leva tempo. Mas talvez seja esse o segredo do fascínio recente — a sensação de que há algo precioso, secreto, que foi ignorado por tempo demais.

Não se trata apenas de luxo. A obsessão pela pinaúna revela um movimento mais profundo na alta gastronomia brasileira: a revalorização do que é local, esquecido, resistente. Ingredientes que sobreviveram à indiferença urbana, ao desprezo colonial e às modas importadas. Agora, são resgatados como símbolos de autenticidade, de identidade. Há uma beleza triste nisso: foi preciso que o mundo gourmet olhasse para o chão — ou para o fundo do mar — para enxergar o que estava ali o tempo todo.

Hoje, chefs disputam as ovas com a mesma sofreguidão com que se disputa trufas. E talvez haja, sim, algo de poético nisso. Porque é como se o Brasil, em silêncio, começasse a entender que o luxo verdadeiro não está em importar sabores, mas em redescobrir o próprio. Mesmo que ele venha coberto de espinhos. E custe, como tudo que vale, mais do que se esperava pagar.