Os personagens mais mal-humorados da história da literatura

Os personagens mais mal-humorados da história da literatura

Pedimos aos leitores, seguidores do Twitter e Facebook que apontassem, entre personagens literários conhecidos, quais eram os mais mal-humorados da história da literatura universal. Na lista, aparecem personagens dos mais díspares perfis, em comum entre eles apenas o mau-humor crônico. De Holden Caulfield, criação de J. D. Salinger em “O Apanhador no Campo de Centeio” — o mais citado —, até o Deus vingativo do Velho Testamento bíblico. Abaixo, a lista baseada no número de citações e uma pequena amostra do humor colérico dos personagens selecionados.

Holden Caulfield — personagem de “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J. D. Salinger (Editora do Autor)

“Não sei direito o nome da música que ele estava tocando quando entrei, mas só sei que ele estava esculhambando mesmo o troço pra valer. Dando uma porção de floreios imbecis nos agudos e outras palhaçadas que me aporrinham pra chuchu. Mas valia a pena ver os idiotas quando ele acabou. Era de vomitar. Entraram em orbita, igualzinho aos imbecis que riem como umas hienas, no cinema, das coisas sem graça. Juro por Deus que, se eu fosse um pianista, ou um autor, ou coisa que o valha, e todos aqueles bobalhões me achassem fabuloso, ia ter raiva de viver. Não ia querer nem que me aplaudissem. As pessoas sempre batem palmas pelas coisas erradas. Se eu fosse pianista, ia tocar dentro de um armário.”

José Severo — personagem de “O Ventre”, de Carlos Heitor Cony (Companhia das Letras)

“Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe. O resto é cristianismo e pobreza de espírito. Não creio nos sentimentais encabulados, nos líricos disfarçados que se benzem quando os raios caem. Meu materialismo é integral. Nasceu no mesmo ventre que me concebeu. Mas voltemos ao irmão. Dentro da predestinação que fez Caim matar o inocente Abel e Jacó passar o conto-do-vigário em Esaú, o torturado irmão foi coisa que sempre desprezei. Nunca fiz indagações em torno de nossas diferenças. Sei, o problema é dos muitos que aguçam a ignorância dos sábios e demais desocupados que teimam explicar coisas inexplicáveis, como a vida. Não sou entendido em cromossomos. O que sei de genética é pouco mas divertido: está espalhado nos mictórios do mundo.”

Homem do subsolo — personagem de “Memórias do Sub­solo”, de Fiódor Dostoiévski (Editora L&PM)

“Não apenas não consegui tornar-me cruel, como também não consegui me tornar nada: nem mau, nem bom, nem canalha, nem homem honrado, nem herói, nem inseto. Agora vivo no meu canto, provocando a mim mesmo com a desculpa rancorosa e inútil de que o homem inteligente não pode seriamente se tornar nada, apenas o tolo o faz. Sim, senhores, o homem do século XIX que possui inteligência tem obrigação moral de ser uma pessoa sem caráter; já um homem com caráter, um homem de ação, é de preferência um ser limitado. Essa é a minha convicção aos quarenta anos. Tenho agora quarenta. E quarenta anos é toda uma vida, é a velhice mais avançada. Depois dos quarenta é indecoroso viver, é vulgar, imoral.”

Arturo Bandini — personagem de “Pergunte ao Pó”, de John Fante (Editora José Olympio)

“Caro Sammy, aquela putinha esteve aqui esta noite; você sabe, Sammy, a pequena sebenta com o corpo maravilhoso e a mente de um retardado. Entregou-me certos alegados textos supostamente escritos por você. Além do mais, afirmou que o homem da foice está vindo ceifá-lo. Sob circunstâncias normais, eu chamaria esta de uma situação trágica. Mas tendo lido a bílis que os seus manuscritos contêm, deixe-me falar para o mundo em geral e dizer imediatamente que a sua partida é uma sorte para todo mundo. Você não sabe escrever, Sammy. Sugiro que se concentre na tarefa de colocar sua alma idiota em ordem nestes últimos dias antes de deixar um mundo que vai suspirar aliviado com a sua partida.”

Heathcliff — personagem de “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë (Editora Landmark)

“Não tenho dó nem piedade, quanto mais os vermes se retorcem, mais desejo sinto eu de lhes revolver as entranhas! É como uma espécie de dor de dentes moral; quanto mais a dor aumente, mais trinco os dentes! (…) O incômodo que me causa sua presença ultrapassa em muito o prazer que eu possa sentir em atormentá-la. (…) Eu sei que você procedeu infernalmente comigo… infernalmente, está ouvindo? E se tem a ilusão de que não apercebi disso, não passa de uma tonta! E se cuida que me consolo com palavrinhas amáveis, é uma idiota! E se imagina que vou ficar sofrendo sem tirar vingança, hei de convencê-la do contrário, e muito em breve!”

Henry Chinaski — personagem de “Misto Quente”, de Charles Bukowski (Editora L&PM)

“Eu não tinha interesses. Eu não tinha interesse por nada. Não fazia a mínima ideia de como iria escapar. Os outros, ao menos, tinham algum gosto pela vida. Pareciam entender algo que me era inacessível. Talvez eu fosse retardado. Era possível. Frequentemente me sentia inferior. Queria apenas encontrar um jeito de me afastar de todo mundo. Mas não havia lugar para ir. Suicídio? Jesus Cristo, apenas mais trabalho. Sentia que o ideal era poder dormir por uns cinco anos, mas isso eles não permitiriam. (…) Eu gostava do lugar, tinha grandes árvores que davam sombra, e desde que algumas pessoas haviam me dito que eu era feio, sempre preferia a sombra ao sol, a escuridão à luz.”

Paulo Honório — personagem de “São Bernardo”, de Graciliano Ramos (Editora Record)

“Sou, pois, o iniciador de uma família, o que, se por um lado me causa alguma decepção, por outro lado me livra da maçada de suportar parentes pobres, indivíduos que de ordinário escorregam com uma sem-vergonheza da peste na intimidade dos que vão trepando. Se tentasse contar-lhes a minha meninice, precisava mentir. Julgo que rolei por aí à toa. Lembro-me de um cego que me puxava as orelhas e da velha Margarida, que vendia doces. O cego desapareceu. A velha Margarida mora aqui em São Bernardo, numa casinha limpa, e ninguém a incomoda. Custa-me dez mil-réis por semana, quantia suficiente para compensar o bocado que me deu. Tem um século, e qualquer dia destes compro-lhe mortalha e mando enterrá-la.”

Ebenezer Scrooge — personagem de “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens (Editora L&PM)

“Scrooge era um tremendo pão duro! Um velho sovina, avarento, mesquinho, unha-de-fome e ganancioso! Duro e áspero como uma pedra de amolar, não era possível arrancar dele a menor faísca de generosidade. Era solitário e fechado como uma ostra. A sua frieza congelou o seu rosto e encompridou ainda mais o seu nariz pontudo, murchou suas bochechas e endureceu seu caminhar; deixou seus olhos vermelhos, azulou seus lábios finos e tornou ferino o tom de sua áspera voz. Uma camada de gelo cobria sua cabeça, suas sobrancelhas e seu queixo áspero. Onde ia, levava consigo sua frieza, que gelava o escritório nos dias mais quentes do ano e não degelava nem um grau no Natal. O frio e o calor tinham pouca influência sobre Scrooge. Calor algum podia aquecê-lo e nem o vento de inverno esfriá-lo.”

Deus — personagem da “Bíblia”, no Velho Testamento

“Disse a Moisés: Toma todos os príncipes do povo, e pendura-os em forcas contra o sol: para que o meu furor se aparte de Israel. (…) Matai pois a todos os machos, ainda os que são crianças; e degolai as mulheres que tiveram comércio com os homens. Mas reservai para vós as meninas e todas as donzelas. (…) E o Senhor nosso Deus no-lo entregou: e nós o derrotamos com seus filhos e com todo o seu povo. Tomamos-lhe ao mesmo tempo todas as suas cidades, mortos os seus habitantes, homens mulheres e meninos: e nela não deixamos nada. (…) Mas eles matarão as crianças com as suas setas, e não se compadecerão das mães em cujo ventre elas andarem, e a seus filhos não perdoará o olho deles. (…) E dar-lhes-ei a comer as carnes de seus filhos, e as carnes de suas filhas: e cada um comerá a carne de seu amigo, no cerco, e no aperto, em que os terão encerrados os seus inimigos, e os que buscam as almas deles.”