Lista das mulheres que não merecem ser estupradas

Lista das mulheres que não merecem ser estupradas

A mamãe. Você que me lê. As analfabetas. As cegas de paixão. As eleitoras do Bolsonaro. As mamíferas. As revolucionárias. As belas recatadas do lar. As moradoras de rua. As muito cultas que se amarram em filmes noir. As celibatárias. As que possuem um aleijão. As Portadoras de Necessidades Comuns, como ser feliz, por exemplo. As presidentes. As que foram chamadas de anta. As que rodam a bolsinha. As que aplicam as economias no mercado financeiro. As que se casaram só por dinheiro. As solteironas. As batizadas. As ateias. As plebeias. As afetadas pela neurose ou pela gonorreia. As deputadas. As debutantes. As terminais. As insinuantes. As mal amadas. As que tomam o metrô. As que se embebedam com Cointreau. As que usam aquelas provocantes minissaias retrô. As que penduram calcinhas lavadas no basculante do vitrô. As que tomam soco na cara. As que tomam o poder. As socialites que depilam as axilas. As mal educadas que furam filas. As suecas. As que tiveram os clitóris amputados numa tribo africana. As que estão em cana. As escravas sexuais da Era de Aquarius. As que são chamadas, primeiro, de princesa e, depois, de piranha. As putas. As filhas das putas. As que não tem um só puto no bolso. As otárias. As proletárias. As professoras universitárias. As que padecem gravemente das faculdades mentais. As jovens desaparecidas que, na verdade, fugiram de casa em busca de paz. As que sonham com uma vida melhor. As que sofrem de insônia. As que colocam silicone. As que tiram a vesícula. As que gozam a Licença Maternidade. As frígidas. As híbridas que nasceram sem vagina, mas se sentem mulheres desde criancinha. A Roberta Close. As que mentem pros maridos. As que prometem dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade. As que levaram ré na vida. As que abusam da maquiagem e do álcool. As meninas que são abusadas pelos vizinhos, pelos parentes e até por estranhos que estavam ali só de passagem. As drogadas. As dragadas pela miséria e pelo desespero. As que se deixaram clicar nuas em pelo. As que perderam a virgindade ou o plano de saúde por causa da enorme crise econômica que assola o país. As que amaram um canalha. As que foram feridas com navalha. As que nunca ouviram falar em Direitos Humanos, muito menos, em Maria da Penha. As que apanham flores no jardim. As que apanham dos homens. As que batem um bolão dentro das quatro linhas. As que não relevam as pedras do caminho. As desabrigadas pela forte seca do fenômeno El Niño. As refugiadas da Síria. A minha vizinha Assíria (vai ser linda assim lá em casa). As que são usadas como escudo humano por guerrilheiros desumanos. “Las Madres de La Plaza de Mayo”. As órfãs. As aborteiras. As que conseguem por um ovo em pé. As que votaram em branco. As negrinhas sem estudo e sem futuro. As desempregadas. As beneficiárias do Bolsa Família. As batedoras de carteira. As que perambulam pelas ruas, loucas, livres e faceiras. As poetisas. As tísicas. As que cometeram um crime. As que fazem amor numa esteira de vime. As que se casariam cabaço, se não tivessem sido violentadas pelos pais. As que fazem suruba. As que fazem faxina. As que fazem sarapatel. As que não querem ir pro céu. As infernais. As colegiais. As ilegais. As que Donald Trump deportaria, com toda certeza. As mulatas globeleza. As que não têm medo de nada. As que nadam os cem metros livres. As prisioneiras de guerra. As lésbicas. As diaristas. As mensalistas. As optantes pelo Imposto Simples e pelo coito interrompido. As impostoras. As pastoras. As possuídas. As exorcistas. As que vão parir um anencéfalo. As que vão perder a cabeça e se matar no Natal. As que não conhecem o mar, quem dirá a si mesmas. As fraudadoras do INSS. As consumidoras de fraldas geriátricas. As velhas acrobatas de mãos trêmulas. As jovens desequilibradas que têm a cabeça nas nuvens. As que vão me incluir nas suas preces a partir de hoje à noite. As que me odeiam. As que me amam. As que não estão nem aí pra paçoca. As doceiras. As estilistas. As alpinistas. As altruístas. E todas as outras mulheres maravilhosas que eu esqueci de incluir nessa lista.

Fotografia: ONG Rio de Paz/ Tânia Rêgo/Agência Brasil.