“O que eu sinto é um imenso desânimo; uma sensação de isolamento insuportável…”

“O que eu sinto é um imenso desânimo; uma sensação de isolamento insuportável…”

O mal do nosso século não é a tuberculose, antes o fosse. O mal do século é uma doença mais profunda: a banalização do Mal.

Se em outros tempos, mal-do-século já foi um bem decisivo para a literatura, o de nosso século parece ser definitivo para a aniquilação desta e a doença mental de muitos leitores. Poetas menores não pegavam tuberculose, por não se exporem ao frio das madrugadas, em nome da arte. Poetas de hoje parecem não ter balas nas palavras contra a crueldade generalizada.

Só os gigantes caíam ao peso do mal-do-século. Hoje, tombamos todos: poetas, cronistas e leitores, vítimas do mesmo e desregrado mal do século que nos aflige.

No passado, da profunda melancolia nasciam poemas de beleza infinita. Até um nome especial criaram para esta melancolia — o Spleen — que não é título de filme indicado ao Oscar, mas aquele sentimento de melancolia elevado à enésima potência por Charles Baudelaire, o poeta francês símbolo do sentimento do século. E se houver uma síntese possível, o Google dar-te-á, isto: “O que eu sinto é um imenso desânimo; uma sensação de isolamento insuportável, medo permanente de uma vaga infelicidade, uma total falta de confiança nas minhas forças…”.

Isso tudo parece com os sentimentos que você tem diante do pacote de maldades que esses velozes 15 anos do século em que vivemos, caro leitor?

Quando assistimos aos “espetáculos” da morte pela internet, onde rolam cabeças decepadas, onde inimigos são queimados ou enforcados em praça pública para um vídeo de alguns segundos no YouTube, não é vaga a infelicidade. É imenso o desânimo com o futuro do gênero humano.

Mas o problema do mal não está apenas no espetáculo. Está na esquina, no corredor da empresa, na fila do metrô, nos partidos políticos, na mente de cada um de nós que permitimos e damos ouvidos a aplausos e “curtir” (aumentando a popularidade) desse tipo de exposição do mal generalizado.

Há um pequeno mal que a todos engendra. Há pecadilhos que contribuem de forma decisiva para o abismo geral. E o leitor, que melhor que o cronista há-de ter “atitude mais atenciosa e mais resignada”, poderá comprovar esses sentimentos em seu próprio habitat.

Se revejo o sentimento do Charles — o Baudelaire, não confundir com “Charlie” aquele sátiro inocente e vítima de outros males —; você também, hipócrita leitor, talvez sinta o peso, em suas costas, de um “medo permanente”, de “uma vaga infelicidade”; desconfia de sua força para superar qualquer que seja a dificuldade que lhe aparece? Vê alguns desafios como hercúleos, quase insuperáveis, mesmo que a tarefa seja apenas a de enfrentar a fila do supermercado ou de atravessar a avenida num dia rotineiro?

De minha parte, posso afirmar: “Eu sou você, Charles Baudelaire”.

E mesmo que vivendo em século diferente do seu, caro poeta-profeta, numa era bem mais tecnológica, sinto com esta “minh’alma” que é única e não é a vossa, e você, leitor com a sua alma — mesmo que a creia inexistente — sinto, sentimos na pele, na alma as maldades que suportamos e às quais damos “ibope”. Esse século em que vivemos, do mal-espetáculo foi forjado nas intempéries do século dito mais cruel — o século 20.

As crueldades passam de pai para filho (do 20 ao 21) deste que é o nosso século e que apocalipticamente se anuncia como o século da banalização do mal…

E como ainda não inventaram como viver mais de um século, não adormeço sem que a extrema melancolia me pese às costas e deixe meus olhos como que “cheios-de-areia”, olhos que não se fecham, insones.

Sim, sabemos que suportar a insônia num país abaixo do Equador é bem melhor do que ter a cabeça decepada no Oriente próximo e mostrada na grande rede por um desses típicos representantes da banalização do mal, os radicais islâmicos. Nem direito a um funeral decente têm esses nossos mortos contemporâneos, os das cabeças decepadas ou dos queimados em espetáculo ao vivo, no século ainda mais infame do que aquele conhecido como “século 20 cambalacho” — como no tango famoso.

Eu durmo e sonho que juntos possamos dizer não “a longos funerais, sem música nem tambor…Onde desfilam lentos em minh’alma” e em nossas retinas cansadas. E creio que também na sua, você que ainda resiste a ler este texto. Sonho, sonhamos, mesmo que “a esperança, vencida, chore; e a angústia, com atroz ardor, sobre meu [o seu, o nossos] crânios…lance uma sentença de morte…”

Dia bom para estrear uma coluna seria o dia em que nos declarássemos livres das inúmeras amostras grátis do mal. Porque creio na força da poesia contra um mundo em deterioração, peço passagem. Eu e você e esta página da internet, aqui peço entrada [na Bula], para receitas um tanto diferentes. Sou o que testa modos diversos de dizer.

Sou o que anseia fazer tremer os infames, eis-me aqui, irmão leitor, e vós, hipócritas João-Testers (com seus crachás de porta-de-cadeia) doidos por uma queixa-crime contra os cronistas e as revistas eletrônicas!

Se tivermos a sorte de continuarmos vivos, continuarei aqui repetindo não jargões políticos ou palavras-de-ordem de alguma ideologia, mas dando a palavra aos poetas/profetas, às antenas-da-raça, como o gaúcho Augusto Meyer. Estarei aqui à espera daquele “Leitor Petulante”, aquele que tem “a audácia típica de ler com alma aberta, petulância que muitas vezes é ajudada pela intuição divinatória que dá de graça ao atrevido a mesma revelação poética que só como recompensa de canseiras e pestana queimada o escrupuloso vem a conquistar”. Até já!