A preguiça é inimiga da perfeição. Não há talento que resista à falta de empenho

A preguiça é inimiga da perfeição. Não há talento que resista à falta de empenho

Há poucos dias conheci a Capela Sistina. Fiquei maravilhada. A perfeição das pinturas emociona qualquer um que passe por ali — religiosos e ateus, conhecedores de arte e leigos como eu. Minutos depois a guia italiana, especialista em história da arte, mencionou relatos que davam conta das fortes dores na coluna que Michelangelo, responsável pelos afrescos mais emblemáticos, sentia. Alguns registros, segundo pesquisadores, evidenciavam como um dos principais artistas do Renascimento tinha o corpo “maltratado” pelas longas horas de pescoço inclinado e braços estendidos em prol do resultado artístico que hoje contemplamos.

Michelangelo é icônico. Daquelas figuras únicas e mágicas que desafiam os limites que colocam a maioria de nós na vala comum. Entretanto, a fala da guia me fez pensar que até a genialidade requer esforço. Brilhante já aos 20 e poucos anos, quando esculpiu “David”, Michelangelo deixou para a história um legado que só os gênios estão aptos a construir. Por trás de toda a obra, porém, estavam estudos sobre anatomia, matemática e incansável dedicação aos objetos trabalhados. Um exemplo de que dificilmente mestres consagrados edificam a vida na mediocridade advinda da preguiça em alcançar excelência naquilo que se propõem a fazer.

E se até os gênios precisam umedecer o talento com suor, o que dizer de nós, meros mortais? Vemos dificuldade em tudo. Há quem sinta cansaço antes mesmo de começar. Fazer uma planilha Excel é um drama. Quando adolescentes, sentimos raiva do professor que pede leitura dos clássicos da literatura. Adultos, maldizemos o chefe que manda refazer o trabalho meia boca. Vivemos a era do “tanto faz”, satisfeitos com o “mais ou menos”. Ironicamente, estamos constantemente em busca de reconhecimento, aplausos, status e dinheiro… muitas vezes sem nos darmos conta do empenho que o êxito requer. Nada vem de graça, nem mesmo para os agraciados com vocação e habilidades acima da média.

É provável que não tenhamos ideia dos bastidores da consagração daqueles por quem nutrimos admiração (quis ser gentil e não usei o termo inveja). O médico renomado que abdicou de parte da juventude debruçado sobre livros e acordado em plantões. A bailarina ovacionada nos palcos do teatro municipal enquanto suporta as dores dos pés feridos. Os sapos engolidos pelo executivo de alto poder que começou no térreo da hierarquia. Os infinitos rascunhos rasurados do poeta premiado pelos versos bem sucedidos… Na coxia de cada vitória, há um enredo de luta trilhado na contramão do comodismo.

Claro que o combo sorte/aptidão/apoio dá uma forcinha para a vida ganhar impulso. Mas desconheço quem tenha chegado ao topo sem quedas seguidas de perseverança. Desconheço conquistas imunes a momentos de desconforto. Assisti a uma entrevista em que Oscar Schmidt descrevia intermináveis treinos, durante anos, arremessando centenas de bolas a cestas de basquete até os braços ficarem dormentes. Em peça publicitária recente, Phelps, o rei das piscinas, desconstrói a ideia de felicidade “barata” expondo as renúncias e sacrifícios que o levaram a galgar os pódios. “O que você faz no escuro é o que te coloca na luz”, sacramenta a campanha.

No meu português interiorano, isso é o famoso “todo mundo vê as pingas que eu bebo, mas ninguém sabe dos tombos que eu levo”. Aqueles que se obrigam a batalhar pelos ideais sabem que conquistas celebradas com pompa são só a ponta do iceberg das histórias de sucesso. Todos merecem descanso. A vida sem relaxamento perde o encanto. Mas não foi sobre sofás que grandes vencedores mapearam seus trajetos. É preciso disposição para brilhar.