Vencedor do Oscar e um dos filmes mais impactantes dos últimos 100 anos, está na Netflix e vai deixar você sem fôlego Divulgação / Concorde Filmverleih

Vencedor do Oscar e um dos filmes mais impactantes dos últimos 100 anos, está na Netflix e vai deixar você sem fôlego

“Tsunami” é uma palavra que se impôs ao vocabulário das sociedades contemporâneas. As “ondas que vêm do porto”, em japonês, e não regressam, varrendo coqueiros como se fossem pés de milho e deixando um rastro de morte, começaram a preencher o noticiário pouco depois da 0h58 do dia 26 de dezembro de 2004, quando um abalo sísmico no fundo do mar devastou todo o continente asiático, em especial a ilha de Sumatra, na Indonésia, onde se deu o epicentro do fenômeno. Preferindo centrar a história na ilha de Khao Lak, na Tailândia, o diretor Juan Antonio Bayona consegue fazer de “O Impossível” um dos registros mais irretocáveis que o cinema já elaborou sobre uma hecatombe natural, tema que volta à baila de tempos em tempos — e com grande aceitação de público e crítica —, o que se comprova pelo desempenho invulgar do despretensioso (e ótimo) “Não Olhe Para Cima”, dirigido por Adam McKay. Passados quase vinte anos, a vaga monstruosa que assolou a Bacia do Pacífico continua a ser um dos piores desastres da história. Bayona esperou que toda a água baixasse e só botou a mão na massa muito tempo depois. “O Impossível” estreou em 21 de dezembro de 2012, faltando cinco dias para o oitavo aniversário da tragédia, o que proporcionou ao diretor apreender o evento com a frieza necessária, ainda que o roteiro de Sergio G. Sánchez ilumine com a devida força as passagens que compõem o ataque do oceano, já na abertura.

O filme pode ser dividido em três atos, sendo o primeiro justamente o que faz subirem e descerem os paredões de água que engolem tudo o que encontram pela frente. Minutos antes, o casal Maria e Henry Bennett, britânicos em férias nesse éden prestes a decair, brincava com os três filhos. Naomi Watts, indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel — ela está muito bem, de fato, mas não é para tanto —, e Ewan McGregor desenvolvem uma química insuperável, juntos ou dividindo a cena com Tom Holland, Oaklee Pendergast e Samuel Joslin (Lucas, Simon e Thomas, respectivamente). No momento em que são colhidos pela fúria do mar e a desdita se apresenta, cada um vai parar em um lado da ilha; quando se dão conta de que pode levar anos até que se vejam outra vez, por causa do caos nas ações de reconhecimento de corpos e ajuda aos sobreviventes, fecha-se esse primeiro segmento de “O Impossível” e se inicia a segunda parte, destacadamente humanística, que evoca a importância de se lutar pela vida e de se manter a fé numa guinada, por mais desalentador que seja aquele cenário.

Lucas é quem melhor encarna esse ideal. Tom Holland, muito antes da franquia “Homem-Aranha” e do excelente “O Diabo de Cada Dia” (2020), de Antonio Campos, já mostrava que iria longe. Cabe ao menino o papel de herói do filme, procurando seus parentes um por um, sem nunca se dar por vencido. Primeiro reencontra a mãe, que se perde dele outra vez e, numa reviravolta original do roteiro, torna a se juntar a Lucas, mas gravemente debilitada. Enquanto Maria aguarda por uma operação, o personagem de Holland emprega o tempo ocioso procurando por outros desaparecidos pelos corredores e leitos do hospital. A performance de Holland, sim, é digna de Oscar, e não só nesses momentos. Tom Holland é quem apresenta desempenho mais constante, sendo capaz de equilibrar-se entre cenas inacreditavelmente plácidas e sequências em que a emoção precisa subir alguns níveis. Holland ainda não recebeu nenhuma indicação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, mas seu dia há de chegar. A esse propósito, louve-se um trecho por volta da metade da história, em que o pequeno Oaklee Pendergast e a veterana Geraldine Chaplin deixam-se absorver por uma conversa impressionantemente lírica com as estrelas por testemunha, ninando-se, óbvia alusão ao centenário “O Garoto” (1921), uma homenagem a Charlie Chaplin (1889-1977), pai de Geraldine.

À medida que Lucas se conserva sereno, Henry despende toda a sua energia numa busca insana pelos filhos e a mulher, composição que exigiu muito preparo físico de McGregor, que também não é a estrela mais brilhante do firmamento, mas dá para o gasto. É impressionante como o tempo só faz bem a certas pessoas. Tanto ele como Watts estão muito melhor hoje — esteticamente, inclusive —, conforme se assiste em “Halston” (2021), série criada por Ryan Murphy e dirigida por Daniel Minahan (e louve-se o profissionalismo corajoso do ator), e “Penguin Bloom” (2020), de Glendyn Ivin, filme de argumento semelhante ao de Bayona em que ela consegue sair-se muito melhor.

Na última parte do longa, quando Henry, Maria, Lucas, Simon e Thomas voltam juntos para casa, batendo a imensidão do mar que os quisera submeter à solidão e à morte, a fotografia do espanhol Óscar Faura, premiado em diversas ocasiões, coroa o trabalho de Bayona e Sanchez, dois dos melhores profissionais do cinema recente. Filmes como “O Impossível” só se transferem do plano das vontades para o duro chão do real mediante a confluência de talentos assim.


Filme: O Impossível
Direção: Juan Antonio Bayona
Ano: 2012
Gênero: Drama
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.