‘O que Pedro pensa de Paulo diz mais sobre Pedro do que Paulo’

‘O que Pedro pensa de Paulo diz mais sobre Pedro do que Paulo’

No bar, no salão, no trabalho, na mesa de jantar ou nas redes sociais, invariavelmente inicia-se a cena de alguém falando mal de outro alguém. Nesses momentos me ocorre uma sensação de desconforto tremenda. Às vezes, porque gosto da pessoa à qual o outro insiste em maldizer, mas principalmente porque acabo vendo no falador algumas características que até então desconhecia.

Uma das razões pelas quais algumas pessoas nunca se sentem felizes é porque estão a cuidar da vida alheia e pouco de si mesmas. Costumam não falar de suas próprias histórias, pois a verdade é que sua vida pouco lhes interessa. Estão bagunçadas demais intimamente. Olhar para dentro de si é um ato de muita coragem; e nem todos seguem dispostos a se enxergar com franqueza. Falar mal de alguém pode representar uma tentativa de desviar o foco sobre os próprios tormentos. Por essa razão, parece ser uma saída mais fácil tatear algo que está fora e expulsar para alguém o que é legitimamente nosso. Mas não é. Nenhum mal resolvido pode ser exilado de nós dessa maneira. É inútil.

“Somos donos do que calamos e escravos do que falamos.” Freud, o neurologista que criou o método “talking cure” (cura pela fala), conhecia mesmo o valor da palavra. Sabia o quanto o peixe morre pela boca. Morre, não no sentido literal por ter mordido uma isca traidora. Morre porque se entrega por inteiro no exato momento em que maldiz alguém. Ao denegrir o outro, fica ali escancarado tudo que o se é e não o que pertence ao outro.

Quem vive a julgar acaba por se entregar. E assim, divulga suas intimidades, suas fraquezas. Revela sua impotência, sua sexualidade, expõe suas aversões. Manifesta sua intolerância, sua atormentadora dificuldade em lidar com a opinião diferente. Exibe seus medos, seus desejos velados, conta os segredos mais íntimos, sem ao menos se dar conta que o faz. Ao falar mal de alguém não escancaramos o caráter do outro, mas sim o nosso.

Sabe aquele maldizer exagerado, esbravejado, exposto em demasia? Sim, ele também conta coisas sobre nós. É bem provável que no íntimo exista uma simpatia pela ideia ou pessoa a quem tentamos expor de maneira tão depreciativa. É uma espécie de amor enfermo, convertido em ódio. Aquilo que se odeia no outro é justamente o que repulsamos em nós.

O ódio é o amor adoecido pela intolerância, principalmente a intolerância que direcionamos primeiro a nós mesmos. É preciso que o mal dito seja falado, mas ele jamais será traduzido se continuarmos endereçando as palavras e o olhar somente ao outro. Ver-se é um arremessar-se para dentro sem precedentes. Não dá pra prever o que vamos encontrar. É perigoso, eu sei, mas é libertador.

Título tomado de empréstimo de Lise Bourbeau. A frase foi equivocadamente atribuída a  Sigmund Freud.