Grandes biografias nunca se constroem impunemente, e tal aforismo define à perfeição a vida de Jan Žižka de Trocnov (cf. 1360-1424), o protagonista de “Medieval”. Líder por trás da vitória checa na guerra civil motivada pela urgência do enfrentamento contra a Boêmia, território na Europa Central em permanente instabilidade — ao longo de mil anos, a Boêmia esteve sob o domínio do Sacro Império Romano-germânico, do Império Austríaco e do Império Austro-húngaro, e depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), passou a compor a então Chéquia, ou Checoslováquia, hoje República Checa —, Žižka também comandou as tropas que atacaram os hussitas, dignificando a confiança que lhe depositara Jan Hus (cf. 1369-1415), fundador do movimento. Nascido para o confronto, o general, um dos maiores gênios militares de que se tem notícia, passou à História como um guerreiro truculento e incansável, famoso por nunca ter perdido nenhuma das pelejas em que tomou parte, e morreu lutando, até ser abatido pela peste aos 64 anos. Dono de um carisma magnético, que redundava numa hegemonia agregadora e espontânea mesmo entre outros soberanos das armas, esse eterno guardião do orgulho checo pode ainda ser considerado o criador da ideia de exército nacional, a afluência orgânica de concidadãos que pleiteiam um mesmo objetivo.
Talvez Žižka tenha sido mesmo um homem acima do bem e do mal. É essa a impressão depois das mais de duas horas da hagiografia de Petr Jákl a partir do roteiro escrito com Petr Jákl Sr., que inexplicavelmente não faz nenhuma alusão imediata à memória do grande líder checo. Os dois, pai e filho, remoldam o passado de sua terra elaborando loas desabridos ao personagem, cuja atmosfera de um santo insubmisso e revolucionário ganha novas demãos de verniz mitológico, o que eleva a narrativa — em detrimento da verdade histórica. Justiça se lhe faça, o épico de Jákl mesmeriza o público já nas primeiras cenas, depois de breve contextualização sobre o que se vai falar, graças à fotografia estudadamente tétrica de Jesper Tøffner, que abusa do azul-petróleo e dos tons de verde mais carregados, muito a gosto do que convém num enredo desse jaez. Além, por natural, das sequências de enfrentamento físico, trechos em que os soldados de Žižka partem para cima de seus rivais em cenas sem economia de lutas coreografadas em seus detalhes mais assombrosos e sangue, muito sangue.
Típico filme de ator, quem leva mesmo a trama nas costas é, como não poderia de ser, Ben Foster, que tira leite de pedra e dá a Jan Žižka toda a humanidade que consegue, embora tenha de se valer de um texto tão raso. Nesta seara, o miserável desperdício de Michael Caine como um Lord Boreš que implora para aparecer e se fazer notar, é um crime. Pensando bem, ele nem faria tanta diferença.
Filme: Medieval
Direção: Petr Jákl
Ano: 2022
Gêneros: História/Drama/Ação
Nota: 8/10