Baseado em livro de J.M. Coetzee, o filme visceral e arrebatador da Netflix que você ainda não assistiu Divulgação / Samuel Goldwyn

Baseado em livro de J.M. Coetzee, o filme visceral e arrebatador da Netflix que você ainda não assistiu

“Esperando os Bárbaros” (Ciro Guerra, 2019) mostra fundas raízes com ilustres antecedentes no cinema e na literatura. O conflito de poder entre a lei e o abuso de poder num forte militar avançado em território inimigo é uma situação limite que expõe a fragilidade imperial fundada na soberba diante da humana presença de povos que não significam uma ameaça.

A referência do título e do tema desenvolvido pelo Nobel de Literatura, o sul-africano J.M. Coetzee, que também fez o roteiro, vem de um poema de Konstantinos Kaváfis, que explora a expectativa medrosa dos invasores diante da possível reação dos invadidos. Mas tem mais.

O clássico de 1976, “O Deserto dos Tártaros”, baseado na obra de Dino Buzzati, expõe num rigoroso painel de cores quentes e formas sufocantes a insanidade tomando conta dos hábitos e mentes de militares confinados em paredes de prisão. Indo mais fundo devemos lembrar de “Beau Geste”, de William Wellmann, de 1939, pesadelo no forte lotado de corpos fardados e mortos, todos em posição de tiro para iludir os tuaregues.

No filme dos Tártaros destacam-se grandes atores como Vittorio Gassman. Neste dos Bárbaros a estrela é Mark Rylance no papel do velho magistrado torturado por um coronel psicopata — interpretado por Johnny Depp, que é do ramo pois vive fazendo esse tipo de papel.

Em quatro narrativas que coincidem com as estações do ano vemos a chegada do coronel em busca de inimigos, mas só encontra pessoas miseráveis que servem para sua fome homicida. E vemos o velho magistrado aos poucos se insurgindo contra a situação e acabando como prisioneiro torturado.

Era preciso justificar a presença do forte para que o Império exercesse sua hegemonia. Mas o que há é a humanidade tentando sobreviver numa fronteira varrida pelo vento e a areia. O mundo poderia dispensar a tirania e apostar na paz. Mas quem disse que essa opção é prioritária entre nações e povos sempre em pé de guerra?

É reveladora a consequência da tirania que implantou a tortura no quartel contra uma população nômade e que não apresentava perigo. No lugar da reação do povo pobre que acaba se dispersando surge no horizonte a verdadeira ameaça de guerreiros em direção ao forte. Destaca-se então a covardia do coronel que foge sem enfrentar o verdadeiro perigo.

Os tiranos inventam fantasmas e não seguram a reação das nações que precisam de liberdade. O magistrado encontrou a solução de convívio no território da fronteira. A pressão do Império provocou um desastre. Por muito pouco as guerras começam e ninguém sabe quando vão terminar.

O deserto é um cenário clássico da Sétima Arte. Firma-se pela ausência de cenários artificiais e pela limpeza, como dizia o tenente Lawrence da Arábia na obra master de David Lean. Gosto daqui porque é limpo e vou dar a liberdade para este povo, soletrou Peter O’Toole para o repórter.

Deserto e liberdade: o conflito na linha divisória das civilizações promove grandes obras no cinema.


Filme: Esperando os Bárbaros
Direção: Ciro Guerra
Ano: 2019
Gêneros: Drama/Ação
Nota: 9/10