Eu posso ser quem você quiser que eu seja, inclusive eu mesmo

Eu posso ser quem você quiser que eu seja, inclusive eu mesmo. Afinal, as aparências encantam.

Por exemplo, tem garotos que se enganam: eles deixam crescer a barba para parecerem mais velhos.

Tem adultos que se barbeiam duas vezes ao dia para parecerem duas vezes mais jovens, no mínimo.

Tem trogloditas que surram os mais fracos para parecerem mais poderosos que um cérebro.
Tem gente que arrota caviar para parecer que não se amarra em coxinha.

Tem mulheres que investem tudo em silicone para parecerem mais desejáveis a si próprias, às amigas e, quem sabe, aos homens.

Tem uma clientela cativa que exagera no botox para que o seu semblante inexpressivo pareça tão impressionante quanto a vida medíocre que leva.

Tem mocinhas que rebolam na TV vestidas com lingerie para parecerem mais carismáticas e apetitosas que uma peça de salame que fala três idiomas.

Tem crentes fervorosos que são favoráveis à pena de morte para parecerem mais justos que o próprio Deus. Além de fazerem concorrência com o divino, são os primeiros a pleitearem um entrada triunfal no Céu. Ou seja, são notáveis criaturas que se acham.

Tem uns metidos que só andam de carro zero para não deixarem transparecer que, em termos culturais, não passam de mais um zero à esquerda.

Tem pessoas que mentem o tempo inteiro para parecerem mais confiáveis que um padre de um milhão de dólares.

Enquanto a caravana passa, por puro ato de misericórdia, tem cães que se eximem em latir, para lamberem os seus donos, a fim de que esses se pareçam superiores.

Tem políticos que beijam crianças de colo para parecerem mais altruístas e confiáveis do que os micróbios.

Tem pais que berram, humilham, surram os seus filhos para parecerem ótimos exemplos a serem seguidos pelo resto da vida.

Tem bacanas que se enclausuram em condomínios fechados para parecerem vítimas de um caos social que, de certa forma, foram eles quem começaram.

Tem turistas que se deixam fotografar com a Torre Eiffel ao fundo para parecerem que, no fundo, no fundo, eles finalmente chegaram ao topo da vida após subirem numa gilete.

Tem socialites que capricham na indumentária e vão ao teatro para serem fotografadas na fila com seus os cabelos armados com laquê, o semblante cult, e parecerem intelectuais com gosto refinado acima da média.

Tem vivos que insistem, fazem questão de enterrar os seus mortos com roupas de grife para parecerem mais palatáveis — senão à gripe — aos vermes. Aliás, são esses boçais que fazem questão de enfiar os entes queridos nos ataúdes mais caros para parecerem caros aos defuntos, como se eles ainda se importassem com isso.

Tem gente que se anula por completo para parecer mais adequada ao mundo dos outros.