Autor: Tainá Corrêa

Nem toda mãe se encontra no parto. Algumas só se reconhecem na ausência. Outras, jamais. Há mulheres que cuidam de filhos com o corpo exausto e a alma exilada. Outras, que cuidam de bonecos — e, mesmo assim, dizem sentir o coração pulsar. Esses livros não apontam julgamentos. Tocam o centro do desejo de maternar — quando ele sufoca, quando falha, quando sobra. E quando se transforma em silêncio. Um silêncio que, por vezes, apenas a ficção tem coragem de traduzir.

Tudo começa com um corpo. Dois, na verdade. Mas não é o fim — é o início. E talvez essa seja a torção mais cruel deste romance: o horror não vem para concluir nada, ele inaugura. Dali em diante, não lemos para saber o que aconteceu. Lemos para entender por que ninguém viu acontecer. O que Leïla Slimani faz aqui não é exatamente escrever um thriller — embora a tensão escorra pelas páginas com a lentidão cortante de uma faca sem pressa.

Uma mulher compra um caderno às escondidas — não para receitas ou lembretes, mas para registrar tudo o que jamais pôde dizer. À noite, entre tarefas silenciosas e olhares que a ignoram, ela escreve com urgência, como quem reaprende a respirar. Cada palavra é um risco, uma ruptura, um retorno. Não deseja libertar-se do mundo, mas simplesmente existir nele sem desaparecer. Aos poucos, percebe o quanto se apagou para caber. E talvez escrever seja sua única forma de voltar a si.