Uma das inúmeras vantagens de se residir numa casa é não ter que levar o cachorro para fazer coco nas pessoas, ou melhor, levar o cãozinho para aliviar os intestinos na calçada, nem dividir o elevador com gente inconveniente. Além do mais, pode-se andar pelado pela casa inteira, com relativa privacidade, sem ser acusado de propaganda enganosa, de ataque ineficiente ao pudor ou de apologia à feiura.
O que faz do ser humano uma criatura superior às rochas é a cognição. Embora, muitos pensam, pensam, pensam e não mudam, não aluem, não saem do lugar. Vivem como se rocha fossem. É preciso enxergar nas entrelinhas o amargo aprendizado que a pandemia está proporcionando.
Sei que não faz o menor sentido, mas, quando você desencarnar, desencane, reencarne em espetinhos de picanha nos churrascos coloridos do paraíso, em exercícios de autofagia. Flutue. Confraternize. Aglomere-se com condados de anjos travessos. Embriague o Bom Senhor com o néctar dos deuses. Nada mais apropriado para uma divindade. Arranque dele a olvidada verdade dos fatos.
Dirijo pelas ruas vazias. Não há muito mais que se possa dizer. O cenário é de desolação e de medo. Das janelas, homens e mulheres com semblantes graves balançam lenços de lágrimas evaporadas. Muitas mágoas foram choradas no último ano. As crianças, não. As crianças apenas brincam, na maior parte do tempo. Elas pensam que a vida será sempre uma grande brincadeira.
É dos covardes que elas gostam mais. Dos tipos que abrem a porta para o amor entrar. Daqueles que declamam poesia antes, onde, quando menos se espera. Dos que ajudam um velho sonho a atravessar a rua. A vida, como ela é, atropela os intentos de qualquer um que sofra lampejos de utopia.