Não me leve a mal, me leve apenas para perto do mar

Não me leve a mal, me leve apenas para perto do mar

Trânsito parado. Buzinaço, panelaço, estardalhaço, monóxido de carbono, janelas, milhares de janelas. Muro pichado, rádio, reunião, relógio, urgência, mendigo, mágico, músico, maluco, grito, golpe, fora, dentro, fica. Gente, mais gente, o vendedor de pipoca rosa, amendoim, moleque da bala, limpador de para-brisa, manifestação, poluição, desnutrição — vende-se a felicidade no panfleto. Malabarista, palhaço, ricaço, pobraço, ativista, táxi, ônibus lotado, artista — no poste: “Trago seu amor em sete dias”. Trombadinha, marginal, pecador, pastor, profeta, aleluia, salvação, perdição, gritaria, ta-qui-car-dia — o mundo acabará logo mais. Alguém pede licença, empurrão, corrimão, cidadão, gentileza, esbarrão, skate, parkour, criança, choro, cheiro, cola, asfalto, craque — gol do Corinthians. Compra-se ouro, compra-se gente, compra-se dignidade — outra bolsa se foi.

Abriu. Passa beco, ladeira, avenida, igreja, templo, metrô, macumba, calçada, buraco, entulho, rio, peixe morto, esgoto, faixa, pé, pedestre — um cego tropeça. Gente na contramão, vai, vem, hippie, sax, moeda, cachorro-quente, pipoca, batata, melancia, menina descalça, gripe, grife, moda, contraste — mais um se jogou do vigésimo andar. Judeu, jurado, pregador, um e noventa e nove, três por um, ninguém por nós e um cachorro levando o dono para suas necessidades diárias. Pernas, pernas, tantas pernas, ponto de ônibus, bicicleta, contramão, batida, multidão, celular, solidão — no folder contrata-se alguém para amar.

Partiu. Vento, margem, favela, rádio, faixa pontilhada, placa, direção, vias largas, novidade, caminhão. Entorta para direita, contorce à esquerda, abre passagem, túnel, fiscalização, rodovia, indústria, fumaça, pedágio, taxa, troco, polícia, represa, curvas tão curvas, trecho em construção. Quinta marcha, morro, pasto, ponte, árvore, ar, música, pensamento, lá em você —atenção, sob a chuva reduza a velocidade. Litoral, saída norte, vamos, fugir, deste, lugar, baby. Tanto mar, tanto mar.

Pulo, conto, sete ondas — mais sete vidas como essa não seria nada mal. Pausa. Intervalo. Respiração. Inspiração. Desisto do medo de morrer todos os dias um pouco; não faço mais conta dos pedaços que a ansiedade me levou. Quanta verdade há em se perder e se achar no azul que colore esse estranho céu de ponta cabeça. Quem virou o céu e o inundou? Ai, é tão teimosa essa imensidão. Tão insistente. Como é bonito ver o fim de tarde olhar apaixonado para o mar. Barulho do vento, corpo, areia, cabelo dançando, passo, pés, passo. Fecho os olhos. Tibum… Desafogo-me, enfim, em fim.