A história do garoto que matou diplomata alemão e foi o pretexto para a Noite dos Cristais

A história do garoto que matou diplomata alemão e foi o pretexto para a Noite dos Cristais

No livro “Holocausto — Uma Nova História” (Vestígio, 574 páginas, tradução de Luis Reyes Gil), o historiador britânico Laurence Rees relata que os judeus Sendel e Riva Grynszpan, que moravam há anos na Alemanha, foram expulsos para a Polônia pela Gestapo (o historiador alemão Nikolaus Wachsmann, no livro “KL — Uma História de los Campos de Concentración Nazis”, 1100 páginas, Crítica, tradução de Cecilia Belza e David León, relata que, juntos com eles, foram deportados 18 mil judeus poloneses). Nas ruas, entre nazistas e gente comum, as pessoas gritavam: “Juden raus! Aus nach Palästina!” (“Fora judeus! Para a Palestina!”). Herschel Grynszpan, de 17 anos, morava em Paris e, ao ouvir a história dos pais, ficou abalado e decidiu se vingar. Comprou uma pistola, foi à embaixada alemã e, não conseguindo falar com o titular, atirou no diplomata Ernst vom Raht (estranhei o “vom”, e não “von”, mas está assim nos livros consultados), em 7 de novembro de 1938.

Holocausto — Uma Nova História (Vestígio, 574 páginas, tradução de Luis Reyes Gil), de Laurence Rees

Ernst vom Raht morreu, no hospital, no dia 9 de novembro. Adolf Hitler e Joseph Goebbels conversaram sobre a necessidade de uma reação. “Ele [Hitler] decide: ‘Deixe que as manifestações [contra os judeus] continuem. Retire a polícia. Os judeus precisam experimentar a raiva do povo’”. Laurence Rees assinala que, “para os judeus, não se tratou de ‘experimentar a raiva do povo’, mas a raiva dos Stormtroopers [tropas de assalto] nazistas. Ao longo da noite de 9 de novembro e nas primeiras horas do dia 10 de novembro, lojas e casas judaicas foram arrebentadas. Sinagogas, queimadas; e judeus, espancados, presos e até mortos. Não há cifras precisas sobre quantos judeus morreram naquela noite — com certeza foram mais de noventa. Cerca de 30 mil judeus foram presos e levados a campos de concentração”. No livro “O Terceiro Reich — No Poder” (Planeta, 1023 páginas, tradução de Lúcia Brito), Richard Evans pontua: “O atentado [perpetrado por Herschel Grynszpan] foi um pretexto para o que se seguiu [o pogrom], não a causa”.

O leitor aficionado pelo assunto pode conferir uma história detalhada da “Noite dos Cristais” (Kristallnacht) no livro “A Noite de Cristal — A Primeira Explosão do Ódio Nazista Contra os Judeus” (Ediouro, 327 páginas, tradução de Roberto Muggiati), do historiador britânico Martin Gilbert. “Mais de mil sinagogas foram incendiadas e destruídas.” Dos 30 mil judeus levados para campos de concentração, “mais de mil morreram”.

Resta um mistério a resolver: o que aconteceu com Herschel Grynszpan?

O escritor, historiador e professor de Columbia Stephen Koch decidiu investigar e conta sua história no livro “El Chivo Expiatorio de Hitler — La Historia de Herschel Grynszpan y el Inicio del Holocausto” (Galaxia Gutenberg, 253 páginas). “O Bode Expiatório de Hitler — A História de Herschel Grynszpan e o Início do Holocausto” não tem edição brasileira. Li um capítulo no site de uma livraria da Espanha, a Casa del Libro, e a resenha escrita por Mercedes Monmany, do jornal “Abc”, sob o título de “Stephen Koch descobre al chico que desafió al régimen nazi”.

A polícia da França prendeu Herschel Grynszpan. Mas, com o país ocupado pelos alemães, “Hitler”, relata o livro, “enviou um esquadrão da elite da Gestapo a Paris para encontrá-lo, prendê-lo e levá-lo vivo para a Alemanha. Depois de uma perseguição das mais complicadas, capturaram o adolescente e o levaram em segredo para Berlim”.

Na Alemanha, o governo pretendia organizar um “julgamento-espetáculo”, numa tentativa canhestra de mostrar os judeus como “assassinos” e, portanto, “instigadores da Segunda Guerra Mundial”.

Herschel Grinszpan: o garoto judeu que desafiou a Gestapo e Goebbels

Herschel Grynszpan era um agente britânico ou um agente judeu? Nada disso. Mas os nazistas queriam transformá-lo em algo maior, até para justificar suas atrocidades.

Entretanto, embora muito novo, Herschel Grynszpan era tanto ousado quanto inteligente. Sob intensa pressão dos experts da Gestapo e do próprio Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda, o garoto decidiu criar uma estratégia de defesa que surpreendeu os nazistas. Ele disse que Ernst vom Rath era homossexual e que havia mantido relações sexuais com o diplomata. Os nazistas ficaram entre surpresos e furiosos com a “contrainformação” do menino. A sua nova lógica — retirando a questão do campo político (e racial) para o pessoal-passional —, que criou uma dúvida, retardou seu julgamento.

Ante a nova configuração do campo de batalha, os nazistas postergaram o julgamento de Herschel Grynszpan. Havia problemas mais graves pela frente, como a entrada dos Estados Unidos na guerra, o ataque de Hitler à Inglaterra — sem grandes resultados — e o desastre do Exército alemão na União Soviética.

Encarregado por Heinrich Himmler do transporte dos judeus para os campos de concentração e extermínio, Adolf Eichmann disse que conheceu Herschel Grynszpan no fim da guerra. Mas ele sobreviveu ou morreu num campo de concentração — no de Magdeburgo, por exemplo? “Laconicamente”, registra a resenhista do “Abc”, Koch afirma que “a única verdade é que ‘Herschel Grynszpan evaporou na neblina da história’”.