Vade retro, bondade!

Vade retro, bondade!

Vamos googlezar? O verbo atualíssimo do pai dos burros digital (O Google, aliás, sempre me remete a onomatopaicos ruídos de goles de água, ou algum tipo de gargarejo faríngeo — já pensou nisso) Bom, não importa. Fato é que durante minuciosa pesquisa, cheguei à definição: “Vade retro Satana” (“Afasta-te, Satanás”) é uma fórmula medieval católica de exorcismo, composta no ano de 1415 e encontrada numa abadia beneditina na Baviera, Alemanha. Palavra da Wikipédia, enciclopédia mutirão-digital desenvolvida por mentes e braços do mundo inteiro. Vade retro! Vocativo bombado, esse.

Na verdade, nas obscuras vielas das cidades contemporâneas mundo afora, a selvageria humana abunda. Grassa, extrapola qualquer inimaginável senso de medidas. Ser ruim, cruel, mau mermo, broder é bafo — atesta a gíria. Tu tem que ser muito verme, macho de responsa pra aprender as delícias do soturno e opulento prazer, proporcionado pela excelentíssima majestade, a dona crueldade.

É cara, assim como morrer está fora de moda, o maneiro é virar zumbi, walking dead do pedaço (sério, já tem até cirurgia disponível pra quem desejar realizar o máximo ideal de se juntar, na real, à Zumbilândia. Uhuh!). Que Disneylândia, que nada. Isso é para os fracos, vociferam as ferozes testosteronas de nossa belicosíssima época. Então, como dizíamos, não adianta cruzar os dedos, agarrar réstias de alho com sofreguidão, municiar-se com balas de prata de olho no implacável inimigo.

Agora o vampirismo pós-moderno desafia qualquer mandinga, te esconjuro, reza ou exorcismo. O negócio é barbarizar. E gozar, claro, sem dó nem piedade. Tem coisa mais tesuda que encher a boca de saliva diante de games violentos, filmes de terror, rituais diabólicos?

Torcer pra espirrar sangue pra todos os lados nas lutas da madrugada de UFC. Levante e caia de porrada, campeão! O marketing sensorial pede, galera. A vibe do Brand Sensations e do Brand Experience caminha de mãos dadas com os estertores do hedonismo.

Tesão sofisticado

Olha só um termo bacana: lúbrico. Sinônimo de lascivo, sensual, de vai com tudo. É uma palavra que em sua metadefinição parece gotejar com irreverência da boca. Talvez ainda lembre nome de óleo de carro. Potência pura. Vrrrum.

Mais uma expressão: concupiscência. Concu o quê… Concubina? Errou. Péra. Falamos do desejo desenfreado, ambição, pecado estimulado através de três áreas do ser humano: Carne (corpo físico), olhos (alma), soberba da vida (espírito). Definição literal do dicionário informal (até rimou).

Em sequência, alcançaremos algumas perversões midiaticamente registradas. Primeiro, recordaremos as práticas gótico-sexuais dos adeptos do BDSM. Ai, viva Zapata e viva o Chicote! Pisa, vai, machuca, vai, me estilhaça vai! E dá-lhe êxtase, uma saraivada de ápices hormonais, muito além do clímax genital, propriamente dito. Vamos combinar — a dor #éoquehá, mano, confesse sem culpa.

Então, essa linguagem aqui meio rapper, meio fanqueira é só pra acender o ritmo de situações borbulhantes, as quais nos últimos tempos invadem a mídia de sangue, suor e azinhavre.

Maldades pra que te quero

O caso do americano sequestrador, ex-motorista de ônibus Ariel Castro, de Cleveland, Ohio, que manteve por quase 10 anos três indefesas mocinhas, avassaladoramente torturadas e estupradas — nesse período todo — para atender à sua gula transversa de se locupletar ininterruptamente de pura luxúria. As barbáries do caso deixaremos de lado, nesta conversa pontual. No momento, o voyeurismo não consta do nosso foco principal.

Outras histórias. Ser menor e criminoso no Brasil é o lance. A meta de qualquer marginal. A justiça cozinha em fogo brando essa e tantas penas, tidas como gravíssimas em tribunais de outros continentes. Mas…

Aqui, porém, as coisas acontecem na base do jeitinho, do molejo-malandro, do #podexá, do mexe-remexe-balança-as-cadeiras. Leis que fecham os olhos para as próprias leis. E se mantêm em máxima felicidade no convívio com a cegueira ética.

Imagine a cena. Um menor, do alto (ou do baixo) dos seus 16 anos, entra num ônibus no Rio de Janeiro, num começo de tarde ensolarado na Avenida Brasil, e estupra à vontade, uma moça sob a mira de um revolver. Coitadinho dele: ainda não atingiu a maioridade. Estava brincando de cabra-cega com a vítima. Não se apercebia dos seus atos. A sociedade tem que entender a situação. Poxa, gente.

O terror sai da toca

Em São Paulo, outro menor brincou de fazer fogueira em festa de São João, fora de época. Ateou fogo ao corpo de uma dentista, em seu consultório, só porque a bandida da incauta profissional possuía apenas 30 reais no caixa eletrônico. Que absurdo. Tremendo acinte à trupe dos assaltantes-unidos-do-meu-Brasil-varonil. Tem mais é que queimar que nem carne fresca de churrasco e arder no inferno, o bando decidiu. Ninguém discutiu.

Quer mais apocalipses cotidianos? Lá vai. O pastor Marcos Pereira, que comandava a Igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias, após a denúncia de seis fiéis da igreja, abusadas sexualmente pelo religioso, está presinho da silva. Isso é, por enquanto, refestelado no presídio carioca de Bangu.

Poder pouco é bobagem. Sevícias, idem. Um dos imóveis do pastor, em nome da sua Igreja, naturalmente, situa-se na Avenida Atlântica, em Copacabana, no Rio de Janeiro, e está avaliado em R$ 8 milhões. É mole? Dureza pouca é bobagem, retrucaria o Zé do povo.

Quantas festas, homicídios, orgias violentas regadas a gritos em uníssono, estupros corriqueiros, seríssimos acordos com importantes chefões do tráfico, planejamentos de lavagem de dinheiro rolavam frequentemente no belo imóvel. Saudades, hein, Pastor Marquinhos.

Como se proteger do banditismo, epidemia dos tempos medievo-tecnológicos que nos circundam? A pergunta silenciosa e apressada não quer calar. Segue, então, de presente a prece, preliminarmente em versão original do latim — para terminarmos com pompa e circunstância este texto tão repleto de vilanias.

“Crux sancta sit mihi lux / Non draco sit mihi dux Vade retro satana / Numquam suade mihi vana Sunt mala quae libas / Ipse venena bibas.”

Por fim, a versão oficial em português: “A Cruz Sagrada seja a minha luz / Não seja o dragão o meu guia. Retira-te, Satanás / Nunca me aconselhes coisas vãs. É mal o que tu me ofereces / Bebe tu mesmo os teus venenos.”

Vá em paz, meu irmão. Mas creia: apesar de tudo o bem ainda existe. Ele pode, inclusive, estar pertinho de você. Dê uma espiadinha pra conferir.