Toda autoridade pública deveria ter amante

Toda autoridade pública deveria ter amante

Quando alguém é eleito, passa em concurso, ou é convidado para um cargo público, tem que se sujeitar a uma maratona gigantesca a fim de conseguir toda a documentação exigida para tomar posse. Exames de fezes, de urina, de sangue, de hormônios, de pele, de ossos, além da comprovação da ausência de certos vírus, bactérias e micróbios. Logo, logo vão pedir exame de DNA com as predisposições genéticas. Isso na área da saúde.

Porque na parte civil a exigência é ainda maior. Precisa apresentar certidões negativas das fazendas públicas municipal, estadual e federal. Ateste de ou não filiação a partido político, bem como prova de ter votado em não sei quantas eleições. Atestado de bons antecedentes com certidões de cartórios de protestos e varas cíveis e criminais. Fazer declaração de que não é parente nem cônjuge de quem ocupe tais e tais cargos. Apresentar listas de bens, sociedades, parcerias e rendimentos. Comprovações de escolaridade e habilitações para o cargo. Fotos 3×4 e digitais num cartão. Se foi um político costas quentes que indicou, muitos papéis podem ser dispensados.

A justificativa para a montanha de papel é a necessidade de garantir a integridade do patrimônio público. Para que o sujeito não tome posse e depois apresente o seu rosário de doenças e em vez de ser uma mão na roda do Estado passe a ser um freio de mão puxado. Ou para depois que tomar posse o novo agente não se revele um trapaceiro enrolado ou um integrante de organizações criminosas.

Depois que toma posse, o agente cai numa teia de controle quase labiríntica. Lembrando que na vida privada o que não é proibido é liberado. Já na seara pública, o que não é autorizado está tacitamente proibido. Pra começo de conversa, ele não pode fazer nada sem pareceres de técnicos habilitados, nem adquirir ou ceder coisa alguma sem o devido procedimento licitatório. E mesmo fazendo tudo dentro da lei, seus atos serão examinados por procuradorias, controladorias, auditorias, ministério publico, polícia federal, câmara de parlamentares, comissões de apuração, corregedorias e tribunais de contas.

No entanto, pelos escândalos que a gente vê pipocando todos os dias, nada disso tem resolvido o problema da corrupção. O que mais se vê é o controlador, do controlador, do controlador se juntarem ao controlado e coadjuvantes na formação de quadrilhas para sugar o sangue da mãe pátria. Assim conseguimos a façanha de ser ao mesmo tempo um dos países com maior teia de controle burocrático com a maior rede de corrupção do mundo. Por consequência, nossos índices econômicos e sociais são essa maravilha de dar gosto em quem gosta de coisa ruim.

Se todo esse arsenal burocrático em vigor não tem conseguido amenizar a roubalheira, temos que pensar numa saída esperta e criativa. O que não podemos é continuar nessa situação vexatória diante do mundo e de nós mesmos. A minha sugestão é que toda esta papelada exigida na área civil seja substituída por um documento apenas. Basta o aspirante a agente público apresentar o comprovante de que tem amante. Pelo menos uma. Ou pelos menos um, caso o agente seja uma agenta. Por que isso? É porque não existe controladoria, ministério público, tribunal de contas, nem polícia federal mais eficiente do que amante na vida de um administrador público.

Amante é mais do que qualquer procuradoria ou controladoria; é uma espécie de achadoria combinada com delatoria. Sem contar que o camarada quando tem amante fica mais cauteloso. Evita praticar certos golpes contra a administração pública porque sabe que a amante está de olho full time. Mas se o tal agente mete a mão no erário assim mesmo, a amante logo vai reivindicar o quinhão de que ela se acha no direito. E vai reivindicar numa proporção maior do que o agente acha razoável. Instala-se o conflito. Aí é questão de dias e o agente espertalhão estará no sal. Se a amante não denunciá-lo, a legítima injuriada ao tomar conhecimento do affaire e conflito, entrega sua cabeça de bandeja. O leitor pode observar: as grandes investigações de escândalo só avançaram de fato aquelas que tinham amantes ou esposas injuriadas na jogada. O Mensalão só ganhou substância quando a ex do deputado Valdemar Costa Neto resolveu contar os detalhes da grande tramóia. Renan Calheiros quase despencou do poleiro senatorial quando sua amante Mônica Veloso resolveu abrir o bico. No escândalo da vez dos auditores da Prefeitura de São Paulo, a amante do fiscal Luís Alexandre Carvalho Magalhães está sendo uma peça chave no desbaratamento da quadrilha. Até o ex-presidente Lula vive às voltas com o Caso Rosemary, que a imprensa não cansa de insinuar que ela é, ou era, sua amante. Isso ainda vai ter desdobramentos. Porque amante um dia se sente injustiçada e denuncia.

E de quantos corruptos o leitor não seria capaz de se lembrar que só foram pegos porque foram flagrados com a boca na botija. E a botija era ninguém menos do que a amante! Por isso defendo as amantes (ou os amantes) como fatores de moralidade. Não da moralidade pessoal. Porque ter amante é uma coisa até meio imoral. Mas em nome da moralidade pública. Porque até mesmo nas questões morais, se quisermos ganhar uma coisa, temos que compensar com a perda de outra.