O melhor filme de 2023 Melinda Sue Gordon/Universal Pictures

O melhor filme de 2023

As pessoas costumam dizer que não entendem as obras de Christopher Nolan. Ele próprio já brincou com isso em uma entrevista. O cineasta pediu ao público que não tentasse entender, mas sentir seus filmes. Em “Oppenheimer” esse problema é atenuado, porque não é tão experimental quanto “Origem” ou “Amnésia”. Talvez o maior desafio ao expectador seja o de acompanhar os inúmeros personagens e linhas temporais sobre os quais ele se debruça. De um modo geral, é um dos filmes mais fáceis de assimilar de Nolan. O que não quer dizer que não seja complexo em outros níveis.

Exige paciência do espectador enquanto vai tomando seu ritmo. É o filme mais longo de Nolan, com três horas de duração. A história centra no conflito ético e moral de J. Robert Oppenheimer, um dos físicos mais importantes do século 20, considerado o pai da bomba atômica, depois que seu experimento provocou a morte de pelo menos 110 mil pessoas em Hiroshima e Nagasaki, selando o fim da Segunda Guerra Mundial, mas encenando o preâmbulo da Guerra Fria.

Apesar de sua inclinação política para à esquerda e o comunismo, Oppenheimer (Cillian Murphy) é escolhido pelo oficial do Exército e engenheiro que supervisionou as obras do Pentágono, Leslie Groves (Matt Damon), para liderar o Projeto Manhattan. O plano consistia em criar uma bomba destruidora o bastante para aterrorizar Hitler, mostrar a superioridade do potencial bélico dos Estados Unidos e dar um fim à guerra.

Oppenheimer, embora tenha nascido em Nova York, tinha um rancho em Los Alamos, no Novo México, onde ele sonhava em unir trabalho e lar. Conhecendo bem a região e como o local era ermo e desabitado, ele propôs ao governo americano construir lá uma cidade para que ele e sua equipe de cientistas escolhida a dedo para o Projeto Manhattan pudessem trabalhar. Foram três anos e cerca de dois bilhões de dólares investidos. Reuniões intensas entre pesquisadores dos mais renomados para conseguir compreender como fazer, qual sua proporção e os efeitos dessa arma nuclear sem precedentes.

Rumores de que Christopher Nolan explodiria uma bomba atômica de verdade para o filme divertiram o diretor. Isso demonstra o quão ousadas são suas técnicas. Em “Oppenheimer” vemos a explosão do protótipo, o chamado Teste Trinity, como um enorme clarão mudo, seguido de um estrondo de atordoar quem está na sala do cinema. A equipe de som e de efeitos sonoros realizaram um trabalho primoroso. Embora não seja um suspense, é impossível não dar alguns pulos de susto com os estrondos inesperados em cenas improváveis. A trilha sonora é um dos elementos que ajudam a criar tensão em diversas cenas, sendo tocada bem alta, além de diálogos atropelados e gritados entre personagens, o clima de paranoia que só aumenta no decorrer da história e a fotografia noir: tudo bastante ao estilo hitchcockiano.

Quanto aos efeitos visuais, Nolan afirma que não houve nenhum CGI e não posso nem expressar o quanto isso é revigorante. A explosão-teste foi realizada em miniatura (não tão pequena assim), simulando com todo realismo possível a natureza caótica de uma explosão nuclear, além de sua estética de cogumelo e seu brilho esplendoroso. O cineasta fugiu da perfeição dos efeitos de CGI, porque simplesmente não seriam táteis o bastante.

E se normalmente os filmes utilizam cenas em preto e branco para denotar o passado e colorido o presente. Nolan, em “Oppenheimer”, inverte essa convenção. O presente é em preto e branco. O filme de 15 furos teve de ser desenvolvido pela Kodak para o filme, para dar maior qualidade à imagem. Mas as cores da fotografia de Hoyte van Hoytema tem menos a ver com a passagem de tempo e mais com o que elas representam. As cenas cinzas, chamadas de “fusão”, representam uma perspectiva histórica, acompanham a inquirição sobre Oppenheimer e não representam o ponto de vista do próprio personagem. Já as cenas coloridas, catalogadas como ”fissão”, apontam os elementos subjetivos e que representam a perspectiva do protagonista. Várias lembranças de diversos momentos da vida do físico são contadas e o narrador não é confiável.

Cillian Murphy, que perdeu 20 quilos para o papel, oferece uma de suas melhoras atuações, sendo incrível como Oppenheimer, uma figura altiva e vaidosa, mesmo quando é subserviente. Depois do sucesso de seu projeto em Los Alamos e de coroar os Estados Unidos perante o mundo como o maior império de aniquilação da humanidade, chutando o cachorro morto do Japão na Segunda Guerra, já que Hitler foi derrotado pelos russos antes da bomba ficar pronta, é a vez de seu país o humilhar.

Perseguido por um adversário que não sabia que tinha, Oppenheimer se vê no centro de uma investigação federal para saber de suas ligações com a União Soviética, depois que esta conseguiu a receita da bomba. O nome do adversário é spoiler, mas o físico se deixa ser levado ao extremo da humilhação e da exposição pública, porque acredita que merece sofrer como penalidade por ter liderado a descoberta mais letal do mundo.

Oppenheimer sabia que sua bomba com múltiplos braços e com a força de 20 mil explosivos de TNT mudaria para sempre os rumos da humanidade. Não em vão, foi ele próprio a pronunciar em uma entrevista: “Agora me tornei a morte, o destruidor de mundos”, trecho do “Bhagavad-Gita”, que é repetidamente usada no genial filme de Nolan.


Filme: Oppenheimer
Direção: Christopher Nolan
Ano: 2023
Gênero: Biografia/Drama
Nota: 10/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.