Atração fatal: suspense na Netflix vai te fazer querer correr de romance Dan McFadden / Sony Pictures

Atração fatal: suspense na Netflix vai te fazer querer correr de romance

Clichês encerram uma potente carga de verdade, e dizer que amor é loteria soa como o mais ligeiro reducionismo, mas ninguém ousa questionar o acerto dessa ilação prosaica, quase estulta de tão óbvia. Ninguém consegue ter tudo o quer, e assim mesmo está sujeito a renunciar a muito do que pôde juntar ao longo da vida, firme no propósito de atingir o que começa a lhe faltar. A protagonista de “O Cara Perfeito” encontra-se numa quadra da vida em que amores são como perfumes, evolando do frasco sem que se perceba, ao passo que precisa cuidar de seus vários outros interesses. Boa parte da carreira de David M. Rosenthal fundamenta-se em histórias nas quais o amor — ou a ideia mais imediata e distorcida de amor — tem um lado doentio oculto por trás de rostinhos bonitos e gentilezas inesperadas, apenas para que, na primeira oportunidade, toda a loucura encarnada por um dos dois tombe sobre a parte supostamente vulnerável da relação, o que desencadeia efeitos imprevisíveis.

Uma mulher prepara-se para ir trabalhar, mas o namorado permanece na cama. Essa já seria uma imagem desconfortável o bastante para se resumir a intimidade de Leah Vaughn, uma lobista baseada em Los Angeles que, além de bonita, é também sofisticada, influente, gentil com mais humildes e mordaz no ponto certo. Os roteiristas Alan B. McElroy e Tyger Williams oferecem a Sanaa Lathan fartíssimo material para que venham à tona, no tempo exato, as contradições de Leah, que malgrado encarne o arquétipo da mulher contemporânea, dona do próprio nariz e cheia de si, não resiste a cair em quase todas as artimanhas do velho manual de sedução do macho. A primeira sequência, tão sutil quanto eloquente, não revela todo o desconforto da mocinha de Lathan com Dave, o arquiteto vivido por Morris Chestnut, pouco mais que um brinquedo sexual — que lhe dispensa o mesmo tratamento, embora com mais disfarce —, e todo esse enredo secundário, impresso nas entrelinhas, ajuda a explicar duas reviravoltas centradas nos dois na metade do filme, a primeira de modo mais objetivo. Antes, Rosenthal mistura as frustrações românticas de Leah a um copo de frapê de café de uma lanchonete da Sunset Boulevard, West Hollywood, pequeno regalo de um estranho que derrete o coração poroso da moça. Mas o barato costuma ter um preço alto demais.

Carter Duncan, o dândi interpretado por Michael Ealy, entra na história como o candidato a salvador de que Leah tanto precisava, e a partir de então o filme envereda para um suspense meio batido, mas empolgante de qualquer forma, reservando para o desfecho o requinte de psicopatia de Carter, que ganha a vida criando softwares de segurança corporativa. Esse seu talento para bisbilhotar a vida alheia é decerto a metáfora mais potente (e invisível, com a licença do trocadilho) aqui, levando “O Cara Perfeito” a um desfecho sangrento, bem apresentado, mas sem nada de muito novo.


Filme: O Cara Perfeito
Direção: David M. Rosenthal
Ano: 2015
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.