“A Lavanderia” é, desafortunadamente, uma história muito familiar ao espectador brasileiro. Ao cabo de 96 minutos, o pagador de impostos da República da Sunga consegue, afinal, saber do que trata o filme de Steven Soderbergh, e sem nenhum esgar de susto, nenhum muxoxo, apenas um suspiro de resignação que talvez anteceda a risada curta e nervosa diante da estarrecedora inferência, tão pungente quanto factual, a que tudo aquilo nos leva. Pela introdução, entre hiperbólica e jocosa, ninguém se arrisca a cravar que Soderbergh tem na manga um argumento poderoso. O diretor, um aficionado por enredos de golpes, investigações e processos rocambolescos, cujo fecho aponta para julgamentos que se arrastam por meses e deságuam em indenizações multimilionárias — e longas temporadas no xadrez para os responsáveis para os responsáveis nos países ditos sérios —, repete a fórmula, mas tem o condão de oxigenar o texto de Scott Z. Burns mediante cenas ágeis, em que a fotografia do próprio Soderbergh (sob o pseudônimo de Peter Andrews) lança cores quentes e brilho incansável, a fim de suavizar o efeito arrebatador do chorume que o desdém pelos sonhos alheios excreta.
O esquema delineado por Burns e que o diretor vai tornando cada vez mais crível, parte de estelionatários em Houston, no Texas, viaja para Nevis, nas Índias Ocidentais e de lá segue rumo ao banco desconhecido de um paraíso fiscal qualquer — ou seja, é quase impossível saber para vai o dinheiro que golpistas, indivíduos especialmente sagazes, desviam em ardis demasiado simples, ou que, a exemplo do caso em tela, drenam de contas frias cujo titular nem as mais bem treinadas polícias fiscais do mundo identificam sem que transcorram meses, quiçá anos, de operações meticulosas, em que um pequeno lapso deita tudo a perder. A ideia, a necessidade, a origem do dinheiro são explicadas por Gary Oldman e Antonio Banderas envergando smokings bem cortados por entre neandertais, decerto o momento em que o público começa a se render ao que até aí se constituíra apenas uma carta de boas intenções do roteirista e seu chefe. Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, dois vigaristas com trânsito fácil pelo high-society mundo afora, servem de mestres de cerimônia de uma narrativa progressivamente desvairada, que Soderbergh reparte em tomos que chama de segredos. No primeiro segredo, surge uma terceira personagem a fim de ilustrar a devastação de expedientes malandros na vida de senhoras pacatas, que só queriam celebrar o aniversário de casamento numa excursão pelo lago George, no nordeste do estado de Nova York, mas acaba por tornar protagonista de uma tragédia pessoal que redunda no escândalo que dá azo ao coração sinistro da trama. A Ellen Martin de Meryl Streep está longe de ser a figura mais importante de “A Lavanderia” — para ser muito sincero, o mote do filme é tão excepcionalmente peculiar que é temerário atribuir a alguém essa função —; entretanto, para não variar, Streep chega a monopolizar as atenções, em especial a certa quadra, já na iminência do fim, quando urde a vingança mais eficaz que consegue, irrigando a veia de farsa da pantomima indigesta encarnada por sessenta megacorporações que, só em 2018, geraram um prejuízo de 79 bilhões de dólares ao erário americano. Entre elas uma tal de Odebrecht.
Filme: A Lavanderia
Direção: Steven Soderbergh
Ano: 2019
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 9/10