Filme com Jack Nicholson, na Netflix, é emocionante, perturbador e profundamente inteligente Divulgação / Warner Bros Pictures

Filme com Jack Nicholson, na Netflix, é emocionante, perturbador e profundamente inteligente

Analisando-se “A Promessa” com os olhos da ironia, Jack Nicholson se parece muito com Jerry Black, o protagonista do filme de Sean Penn. Os dois tiveram excelentes carreiras, iniciadas sem o estardalhaço das pseudocelebridades de hoje, deram sua contribuição ao maior número de gente que puderam e se retiraram do palco e das ruas. Mas… Os roteiristas Friedrich Dürrenmatt, Jerzy Kromolowski e Mary Olson-Kromolowski tiram da cartola um argumento tão manjado quanto persuasivo para fazer com que Black torne a seu ambiente natural e a performance de Nicholson, sempre transbordando de largas medidas de genialidade, empresta a seu anti-herói substância dramática, cinismo, picardia, humor e tudo mais que a história lhe vai demandando.

A solidão de Black, um estado crônico e em franca expansão, agrava-se com a retirada do Departamento de Polícia de Nevada, como se pode confirmar na iminência do encerramento. Antes, o diretor lança mão de vários expedientes para ressaltar a fixação do detetive por seu ofício, mostrando seu protagonista vergonhosamente isolado, primeiro num cenário desértico — para onde o enredo volta no final —, e, em seguida, um pouco menos apático, quiçá até propenso à euforia, pescando dentro de uma choupana às margens de um lago de gelo. A temperatura ameaça cair ainda mais, com precipitações de neve em todo o cinturão central do estado, no oeste americano, mas não é isso o que faz o personagem de Nicholson abreviar a folga e comparecer ao distrito, um prolongamento de seu próprio caos interior, o lugar em que se transformara numa espécie de lenda viva ao longo das últimas três décadas. Na verdade, Black sabe que daqui para frente terá muitos outros dias como os que se passaram, de falta de propósitos, de excesso de si mesmo, e nem o fatídico almoço com o tenente que chefia a seção, à uma e meia da tarde, mero protocolo que sacramenta que seu tempo passou.

No início do próximo segmento, um crime enigmático, aparentemente sem solução, galvaniza os ânimos de Black. Annalise Hansen, a professora de piano interpretada por Vanessa Redgrave numa participação calorosa, perde a neta, Ginny, de Pauline Roberts, e essas dois espíritos fraturados conectam-se de alguma forma. Os diálogos entre o detetive e a musicista, também já retirada dos palcos por tempo suficiente para sentir o peso dos anos — e da tristeza —, são doídos, mas o trio de autores é capaz de fundar aqui uma classe de humor, leve e convincente, que enriquece o filme, uma pista falsa para o que se dá no encerramento. Black, exímio pescador, usa de seus conhecimentos na atividade para capturar o assassino de Ginny, e joga uma isca viva para abater o predador, causa que vira sua razão de viver. Mas sua paranoia o enxovalha irremediavelmente, e o arruína para sempre.


Filme: A Promessa
Direção: Sean Penn
Ano: 2001
Gêneros: Thriller/Mistério/Drama/Crime
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.