Filme com Jennifer Lopez, na Netflix, vai fazer seus olhos sangrarem Divulgação / Columbia Pictures

Filme com Jennifer Lopez, na Netflix, vai fazer seus olhos sangrarem

Casamento é loteria. Homens e mulheres casam-se pelos motivos mais variados e incongruentes entre si, havendo ou não espaço para o amor. Em circunstâncias como as colhem a protagonista de “Nunca Mais”, o que fica parecendo é que, a certa quadra da vida, a solidão, a tristeza, a carência de tudo torna-se tão insuportável que há que se tentar qualquer medida para debelá-la, sendo a união com uma pessoa com quem se compartilha alguma afinidade a mais óbvia. Nessa peça de teor feminista misturado à violência gráfica dos thrillers que renderam milhões nas bilheterias dos cinemas mundo afora entre o começo dos anos 1990 e 2000. Michael Apted (1941-2021) consegue um resultado bastante homogêneo ao juntar esses dois ingredientes à primeira vista tão díspares entre si, mas que, conforme o tempo fez questão de provar, mostraram-se em perfeita harmonia com uma quadra da história em que expressões e palavras como masculinidade tóxica e sororidade viraram garantia de audiência. As mulheres estão cada vez mais independentes dos homens, tanto no que toca ao sentimento ou mesmo ao desejo como quando o assunto é a prosaica e urgente sobrevivência.

O roteiro de Nicholas Kazan fica entre o suspense quase ingênuo de “A Mão que Balança o Berço” (1992), cult do gênero dirigido por Curtis Hanson (1945-2016) que ainda impressiona pela eficiência da artesanalidade, e o apuro estético do Quentin Tarantino de “Kill Bill”, abusado nos efeitos especiais se prestaram a divisor de águas para essas histórias. No caso do filme de Apted, a fotografia de Rogier Stoffers é o elemento que conduz o espectador pelos labirintos escuros em que o enredo se metamorfoseia sem escalas, como se o diretor virasse a chave mágica que divide a trama em duas. Se no primeiro ato o diretor se empenha em mostrar a luta de uma mulher para chegar ao fim do mês, no segundo, depois ainda de mais algumas evoluções, começa a explorar sua agonia, fazendo com que a narrativa derive para sequências de perseguição que apenas reforçam o mais do mesmo de produções a exemplo de “Atração Fatal” (1987), dirigido por Adrian Lyne, quiçá a mais ousada delas.

Slim, a garçonete vivida por Jennifer Lopez, parece tirar a sorte grande ao conhecer Mitch Hiller, o bon vivant interpretado por Billy Campbell. A impressão que se tem é que não havia rolo o bastante para que se rodassem as cenas que dariam alguma base dramática ao encantamento mútuo entre os dois e, com alguma benevolência, acredita-se que se trata mesmo de algum conto de fadas moderno sobre o amor especialmente poderoso que os leva do diner onde Slim trabalhava — e a magrela Lopez estava mesmo longe do mulherão de hoje — para o suntuoso jantar de quatrocentos talheres que celebra a união dos dois. Instantes depois, um novo corte seco anuncia o óbvio e a mocinha de Lopez aparece ouvindo diatribes machistas do companheiro, levando bofetadas e aflita com que o destino pode reservar para si e Gracie, a filha do casal, de Tessa Allen.

O terceiro ato salva os deslizes de até então, com sequências bem enquadradas em que Slim foge do marido, temendo ter problemas com a lei por privar Gracie do convívio com Mitch, enquanto crimes muito graves como falsidade ideológica e extorsão não ocupam um milésimo do seu tempo. E é precisamente esse o segredo para se conseguir algum proveito ao cabo de 115 minutos de uma história que se perde e se encontra um sem fim de vezes, conservada quente em inúmeras ocasiões pelo carisma de Lopez e o talento de Fred Ward na pele de Júpiter, o pai da nova fugitiva, e Juliette Lewis como Ginny, a melhor amiga da heroína. Tudo o mais resume-se à boa e velha cafonice dos filmes que emulam “A Gata e o Rato” (1985), sem a sedutora despretensão da louca década perdida.


Filme: Nunca Mais
Direção: Michael Apted
Ano: 2002
Gêneros: Thriller/Drama/Ação
Nota: 7/10