A inveja é um tapa na cara

A inveja é um tapa na cara

Além de pegar a gente pelo pé, a inveja tem cara pra tudo. Cara de pau, de múmia, de paisagem, de quem-não-tá-nem-aí para as demandas do vizinho. Cara de quem só vive lá em cima, no alto do Himalaia — quase perto do olimpo. Cara de nariz em pé e torcicolo na ativa.

Quem nasceu pra rei nunca esquece a majestade. Nossos tetravôs já sentenciavam.  Quem se acha não se perde, nem fica dando bobeira ou ouvidos tortos para os Zé Manés plantados em cada esquina.

A inveja alheia — e a nossa claro — cega como ela só, vive se metendo aonde não é chamada. Quem já viu a demônia diz, com muito susto, de sua cor espalhafatosa e sonsa ao mesmo tempo: verde-fúcsia.

Inveja, eu, tá maluco? Essa sarna não me pega.

Outros afirmam que a inveja tem aquilo roxo.  Roxo pra tomar de vez tudo que é seu. Tristeza, alegria, coragem, solidão, casamento, cotovia, beija for de arribação. Olho comprido, cor dissimulada de ameixa preta e indignada. Como pode?

Porque foi ele e não eu o escolhido, o premiado, o vencedor, o campeão de vitórias compulsivas? Falam pelos corredores da existência que a inveja é um prato que se come frio.

Vai ver, é quase certo, que ela nunca saiu do freezer. E permanece aí, enregelada, como a abominável ganância larga da cobiça renitente.

Quem sente inveja não consegue passear no céu. A realidade é um inferno devastador.

Casou, eu invejo. Pariu, eu me frustro. Separou, aplaudo. Perdeu tudo, menos a vergonha alheia de si mesmo – é caso então de puro regozijo a ser degustado entre talheres e pratarias, servidas para os mais refinados comensais.

A inveja tem uma cara feia, macilenta, bexigas de malária no olho feroz. Tem até, pasmem, vontade de cagar bonito.  Coco de responsa. Produzir duas toras firmes e grossas, quem nem as obras matinais do Luizinho, hoje pintando e bordando com os seus eretos e viçosíssimos 18 aninhos.

Cadê o glamour desta dita cuja. Alguém sabe o paradeiro.   O charme, o discurso bonito, o andar de pavão armado, o deslizar de um inexcedível sábio, camuflam as agruras lancinantes na mente aprisionada pelas cruéis demandas desta ditadora sempre a postos em nossos sentimentos. Negamos sua presença a todo custo, dentro de nós, claro.  Uma pedida é vodca croata ungida com farto caviar do mar cáspio.

Línguas de enguia esgueiradas em tocas tentam se proteger atrás de algas imensas. Porém, sempre alguém consegue divisá-las. Essas ladras acabas flagradas quando menos se espera. Em ausências inexplicáveis, tom de voz em falsete, rispidez, olhares de soslaio, parcimônias, reticências funestas. E o sorriso, coitado, impossível disfarçar: é duro e desarticulado. Cristalizado no rosto.

Escafandricamente falando, ter inveja sem alquimizá-la é uma estúpida perda de tempo, de vida, de tesão, de gargalhada súbita, de rubor abençoado pelo anúncio de mais um novo amor, nos reverenciando em qualquer idade.

O invejoso é tão vesgo que nem se dá conta de que observa a vida com os olhos se arrastando debaixo de terras crestadas e estéreis. Olhos de serpente.

A grande festa acontece com a notícia da desgraça alheia — embrulhada de presente com azinhavrados e exagerados laços de fita do mal. Que maravilha.  Quem sabe, se em vez de a gente achar que a grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa e o peru natalino dele mais saboroso, ainda, consegue adubar esta terra quase podre à nossa frente.

Dizem que as pessoas tem inveja ainda do: nosso sorriso, pendores artísticos, bondade, pureza, criatividade, amorosidade, inteligência, sexualidade, acrescentados, devidamente, à longa sequência de prefixos nesta interminável história.

O maior sonho do invejoso consiste em agregar mil braços à sua defeituosa condição humana.  Tornar-se um polvo ameaçador nos embates sociais. Ser multitentacular e plenipotenciário para abraçar tudo o que tem direito e lhe foi injustamente roubado em deselegantes contendas entre deuses pagãos. A maior baixaria.

Normalmente, o invejoso contumaz elogia os amigos, sua eventual competência em determinadas áreas, somente da boca para fora. Por dentro, a saliva é de fel. As bochechas tomadas por aftas. Os dentes trincados ao auge.

Comemorar o sucesso alheio — outra insuportável penitência.

A primeira ovação ao homenageado acarretará bolhas, pisadas no calo, punhaladas na pobre e desvalida alma cinzenta. Mas nada como um bom treino diário de afetividade para retificar as juntas — antes carcomidas e separadas — de relações assumidamente falidas.

Você conhece a seguintes expressões:  recauchutagem, reciclagem, reoxigenação dos pulmões da felicidade? Então.  Basta chegar em uma borracharia sem hora marcada e cuidar do rombo do pneu.

Depois é partir para o abraço, engrossando o coro dos revoltados.

Salta fora urubu. Morbidez itinerante. As certezas inabaláveis de que você deve engolir sozinho todas as pizzas, de todos os sabores, de todos os cardápios do mundo. Porque esta é a sua lei. Direito inalienável do invejoso desesperado.

Aliás, alguém viu quem comeu o meu queijo?

Breve sugestão. Não fique assustado, nem fuja da inveja. Não a esmague como se fosse cabeça de alho estragada.  A inveja, se olhada lá no fundo de seus sedentos olhos de abismo, pode se transformar em uma fonte incrível geradora de energias e mudanças.  É sério.

É preciso, entretanto, um pouco de coragem, decisão, honestidade e humildade para fazer isso.  E não passar a vida dando a sua cara a tapa e sendo feito de gato e sapato por esta impertinente dama soturna.

No mais, mantenha sempre a câmera ligada à cata dos melhores ângulos, beicinhos e que tais, de tantos selfies disponibilizados por esta ilustríssima, mas não menos íntima figura que sempre se deita e acorda com você todos os dias. A senhora dona inveja.