Há 123 anos nascia Jorge Luis Borges: 40 frases desconcertantes do gênio argentino Foto / Annemarie Heinrich

Há 123 anos nascia Jorge Luis Borges: 40 frases desconcertantes do gênio argentino

Em 29 de setembro de 1977, numa livraria em Brasília, comprei “Ficções”, de Jorge Luis Borges. Foi meu primeiro contato com a obra do autor e me encantei perdidamente. Aquele mesmo exemplar, já esfarelando, está sobre o meu criado de cabeceira e não passo mais de 15 dias sem que leia algum trecho. Além da fixação por “Ficções”, li toda a sua obra, que reputo grandiosa. Selecionei algumas frases do autor pelo seu aspecto desconcertante, surpreendente, pela fina ironia. Embora ele diga que seja incapaz de cometer uma ironia, o que é uma ironia dentro da ironia. Algumas frases são de obras literárias, no entanto, a maioria é de trechos de entrevistas concedidas ao longo da vida e organizadas pelo argentino Carlos R. Stortini, em “Dicionário de Borges”, em 1986, ano de sua morte.

Só os imbecis nunca mudam de ideia.

Quando você chegar à minha idade, terá perdido a vista quase por completo. Verá a cor amarela e sombras e luzes. Não fique preocupado. A cegueira gradual não é uma coisa trágica. É como um lento entardecer de verão.

A gente publica para não passar a vida corrigindo o que escreve. A verdade é que se publica para se libertar do livro e pensar em outro. Quanto a mim, reli muito pouco do que escrevi. Ainda que de vez em quando me releiam passagens do que escrevi e às vezes elas me agradam. E digo: de onde tirei tudo isto? Na certa deve ser plágio, porque é bom.

Não releio, esqueço facilmente, mas tudo o que publico supõe dez ou doze versões, sendo que a última acrescendo um descuido evidente para que pareça espontâneo.

Os cárceres me parecem abomináveis… certos homens deveriam ser mortos em vez de encarcerá-los diretamente. Nem a meus inimigos posso desejar o cárcere, e sim a morte.

Um cego é um prisioneiro. Há muito tempo estou cego. Comecei a ficar cego quando comecei a enxergar…

Acho que fazer um exame é muito menos penoso do que ir a um coquetel. Os coquetéis são uma organização de chatice.

Como é que Deus que se fez homem, que é a favor dos pobres de espírito, dos humildes, dos deserdados da terra, vai se autoconceber como um ser belo? Seria um ato injusto de Deus. Seria um ato racista de Deus, impossível. Por isso, Cristo deve ter sido francamente feio, e todas as pinturas que o mostram formoso são pura tapeação.

Na memória, tudo é grato, até a desventura.

A guerra é horrível, mas a vida também o é. Talvez seja melhor morrer em um campo de batalha.

Agora existe uma ciência humana chamada informática. Que nome mais feio para uma ciência. É uma desgraça o fato de a informação substituir a cultura.

A vida não é outra coisa senão a morte que anda brilhando.

Para se escrever poemas tem-se que ser ingênuo e não muito inteligente.

O suicídio não me parece ruim; ao contrário, seria conveniente que mais gente se suicidasse; há excesso de população no mundo.

Pensei num labirinto de labirintos, num sinuoso labirinto crescente que abarcasse o passado e o futuro e que envolvesse, de algum modo, os astros.

No sonho do homem que sonhava, o sonhado despertou.

A verdadeira história não é o que sucedeu; é o que pensamos que sucedeu.

Não gosto do que escrevo; contudo, lamentavelmente não posso escrever outra coisa. Quando jovem, quis ser Chesterton, Lugones, Quevedo, quis ser Hugo, mas evidentemente não fui, ou o fui de um modo defeituoso. Então me resignei a ser Borges, e as pessoas se mostraram muito indulgentes para comigo.

Escrevi demais. Me daria por satisfeito se depois de minha morte ficasse, de tudo isso, um par de contos, um conto, um livro de poemas, um poema que seja.

Não sou modesto, apenas fico assombrado por ser conhecido. Deixei de ser um homem invisível aos cinquenta anos, e pode-se descobrir a qualquer momento que sou um impostor.

Sou cético, mas não me felicito por isso. Desejo que os jovens tenham direito à esperança.

Che Guevara foi partidário de um tirano… Não me lembro o nome dele; Um senhor que mora em Cuba.

A cobiça é outra tolice, pois conheço gente rica e gente pobre, e não notei que alguém rico seja mais feliz do que o pobre. Entretanto cometem-se sequestros, roubos tudo feito por pessoas ingênuas que acreditam que se ficarem ricas, serão mais felizes, o que vem a ser um erro grave. Ainda que a indigência tampouco seja uma virtude nem uma coisa extraordinariamente vantajosa.

Uma crise monetária não é a causa, mas a consequência de uma má administração político-econômica de um país. Dizendo bem… nossa crise econômica — que também é ética — se origina, fundamentalmente, no dinheiro que foi roubado.

O escritor deve ser submisso e não convém que tente compreender demais o que está fazendo, porque qualquer ato consciente pode deitar a perder a obra.

Penso em George Bernard Shaw, em André Gide, em Robert Frost. Os melhores escritores vivos já morreram.

Odeio Carlos Gardel, porque seu sorriso se parece com o de Juan Perón.

Somos um sonho sem sonhador. Esse sonhar se chama história universal, e cada um de nós é um símbolo desse sonho.

O aborrecimento é mais terrível do que a violência.

Organizar uma biblioteca é um modo silencioso de exercer a arte da crítica.

Em um jornal, geralmente, se escrevem notícias. Naturalmente, bobas. As notícias que os jornais dão referem-se a temas que não me interessam.

Em várias oportunidades, tentei fumar marijuana, mas sempre fracassei; finalmente, optei pelas pastilhas de menta.

O Papa é um funcionário que não me interessa muito. Um funcionário da Igreja Católica.

Ulisses: não foi escrito para ser lido, foi escrito para alguma coisa muito superior, foi escrito para que o autor ficasse famoso, fosse analisado, figurasse na história da literatura.

Se não repito os outros, repito eu mesmo e talvez eu não passe de uma repetição.

O rosto de uma pessoa é móvel e difícil de ser fixado em uma lembrança.

Todos falam dos supostos benefícios que a saúde traz ao indivíduo, mas eu acho que a saúde é um estado precário que não pressagia nada de bom.

A vida é uma conjectura.

A tentação mais grosseira de um artista é a de ser um gênio.

Ironia: uma coisa que aprecio e reconheço, e de que sou totalmente incapaz.