Crônica

Vem ni mim, esbórnia Foto / Joa Souza

Vem ni mim, esbórnia

O carnaval não gosta de mim. E já faz muito tempo. Desde a minha meninice. Meu pai me levava, juntamente com os meus irmãos, para as matinês carnavalescas do clube dos funcionários do Banco do Brasil, que ele adorava. Ele adorava o clube, o banco; não as matinês. O desgosto pela folia, portanto, devia ser coisa de família. Meu velho sentia uma gratidão eterna por aquela instituição financeira. Algo de idolatria mesmo, de cunho quase transcendental, eu diria. Papai foi de uma época em que se remuneravam muito bem os funcionários do banco.

Eu tento gostar de carnaval, mas nem sempre consigo

Eu tento gostar de carnaval, mas nem sempre consigo

Eu nasci no Brasil, só acho que vim com o software errado. Como assim eu vivo aqui e não sou fã de futebol e carnaval? Eu me esforço: na Copa do Mundo eu torço como todo mundo. Como não sei identificar um impedimento, o jeito é disfarçar: é só xingar o juiz e o técnico que tá tudo certo, ninguém percebe. Quando se trata de carnaval a tarefa é um pouco mais difícil. Nem sempre consigo.

É carnaval! Oba! Oba?

É carnaval! Oba! Oba?

É carnaval! Não adianta reclamar do bloco que passou devastando a sua rua, nem do trio elétrico que quase te deixou surdo. A pessoa começa a dar uns tremeliques e uns passos estranhíssimos, achando que sabe sambar, mas isso é só uma fantasia, fruto de sua imaginação. Algumas dessas pessoas chegam até a cair no samba, que é quando elas tropeçam em suas próprias pernas e se estatelam na avenida.

Humano, ridículo e limitado

Humano, ridículo e limitado

Eu era um idiota. No duro. Não usava nem perto dos tais 10% da minha cabeça animal, como cantava Raul Seixas. Nas décadas de 1970 e de 1980, poucos sabiam o que significava a palavra bullying. Ninguém usava esse termo no Brasil. Aliás, estudar inglês era um verdadeiro pé no saco. Bullying era um vernáculo desconhecido, ainda mais quando se vivia no interior do país, uma região culturalmente atrasada, cuja economia era eminentemente agropastoril.

Como é que vou dizer para a minha mãe que eu a amo?

Como é que vou dizer para a minha mãe que eu a amo?

O centro da cidade sempre reservava surpresas aos transeuntes. Um cara vendendo um rim. Um renal crônico a mendigar no semáforo. Um viciado a pedir um fósforo. Rastros de bosta humana no passeio público. Seres humanos particulares. Um casal de caramelos engatado pelas genitálias. Um pastor com os sovacos suados. Um cossaco a praticar malabares. Lugares inusitados que serviam iguarias incríveis, como era o caso da Lanchonete da Tia Nair.